Bom dia, Sr I, como vai? Sou aluna de medicina do segundo ano... Posso
fazer algumas perguntas e examinar o senhor?
Pode sim.
Obrigada. Primeiramente, qual foi o motivo de sua internação aqui?
“Bom, há 20 dias eu comecei a ter febre e cansaço…”
E me conduziu com maestria pela história de sua doença… “no AMA acharam
que era dengue e começaram o tratamento, mas eu achava que tinha alguma coisa
realmente errada comigo. Em outro hospital, fizeram mais testes e... Novamente
recebi o tratamento para dengue. Há poucos dias minha febre aumentou e tive que
vir aqui para o HU”.
Ora contando ora escondendo as informações que tinha, criou em mim
uma expectativa que crescia a cada frase “Afinal, que doença ele tem? ”. Não
havia pressa em seus olhos. Eles me olhavam pausadamente, com firmeza e com um
certo pesar que de início eu não soube explicar. Aliás, eu sentia naquele
momento que eu não poderia explicar coisa alguma, mas era ele quem me
explicaria sobre o seu “caso” e mais do que isso, sobre a própria percepção do
seu corpo, sobre o poder da narrativa (que naquele momento me transportava da
minha história para a sua), sobre a beleza e a fragilidade da sua existência. E
me conduziu com maestria pela história de sua vida.
“Aqui no HU, eu fiz mais exames e o
médico falou que queria conversar comigo e com meus familiares…No final das
contas o doutor acabou falando com o meu cunhado, que em seguida me perguntou:
I, você acha que sabe o que tem? Eu afirmei que sim. E ele então disse: Isso
mesmo, infelizmente você tem isso que pensa que tem”.
Nesse momento seus olhos estavam tristes e marejavam “A ciência
faz a parte dela, mas também tem a fé...e juntando essas duas, você pode ter
esperança...”. Um turbilhão de dúvidas me veio à mente enquanto tentava não
chorar: então ele está morrendo? Qual é o diagnóstico final dele? Será que os
médicos já têm certeza de que é grave mesmo? No meio de todas essas dúvidas
tive a certeza de que estava diante de mim um grande homem, que acabara expor toda
sua fragilidade. Eu o olhei e vi sua dor, e ele a viu refletida em mim.
Certamente não estávamos rindo de felicidade, mas o conforto da compreensão o
fez falar sobre esperança e sorrir.
Saí daquele quarto diferente.
Na semana seguinte, voltei ao hospital
e perguntei ao professor como estava o Sr.I e fui informada de que ele piorara
muito e estava na UTI. Lá, ele estava entubado, sedado e apenas vivo pela ação
de vários medicamentos. Não via mais seus olhos tristes, mas a mesma expressão
que ele tivera na semana anterior estava presente em seus familiares que
olhavam para aquele Sr.I, que não mais falava e não mais sorria. Depois de duas
semanas, voltei ao hospital e fui informada de que ele tinha falecido.
Triste, fico esperando que ele tenha
tido uma vida tão incrível como sua capacidade de contar histórias, porque
penso que a beleza da vida só é percebida por aqueles que compreendem e dominam
o poder das narrativas.
DÉBORA TSENG CHOU
TERCEIRO LUGAR
I INTERMED LITERÁRIA PAULISTA
SOBRAMES SP
CATEGORIA PROSA
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