– Bom dia, Severino. Dormiu bem?
– Como posso ter dormido bem com esse frio e chuva... Só tenho esta colcha velha e rasgada para me abrigar.
– Meu amigo! Não seja ranzinza. Olhe a parte bela da vida. Aqui somos livres. Ninguém nos aborrece. Não temos horário para levantar e nem para dormir. Comida, sempre arranjamos. Não pagamos aluguel de casa. Não contribuímos para o INSS. Não pagamos imposto de renda, imposto predial, seguro de carro, escola para crianças, etc. Somos os párias da sociedade. Não temos obrigação com ninguém. Banho, tomamos no chafariz. Roupas, ganhamos. As necessidades fazemos nos banheiros dos shoppings. E a noite... Que panorama... A lua, as estrelas...
– Gerivaldo, como você pode estar satisfeito, feliz, levando esta vida?
– Meu amigo, é questão de observação. A maioria do nosso povo recebe o salário mínimo que não dá para comprar nem uma cesta de alimentos, não contando ainda com a condução, o aluguel, o vestiário, as taxas, etc.
– Gerivaldo, por que o governo não melhora o salário?
– Para não aumentar a inflação. Não quer consumismo. Você calculou, Severino, se o povo ganhar mais, vai engordar e a obesidade provoca várias moléstias. O governo pensa muito na saúde do povo – riu – Outra coisa: a estética. Quer todo mundo magro, elegante, esbelto, bonito... As nossas mulatas fazem sucesso no exterior! Em relação aos aposentados: para que ganhar mais? Os velhinhos já estão com um pé na cova! Comendo pouco, desnutridos, vão logo conhecer São Pedro. O que seria uma ótima solução! Morrendo todos os aposentados, vai sobrar mais dinheiro para os políticos. A questão é só dar um “empurrãozinho”.
– Gerivaldo, eu não sei como você consegue ser tão otimista.
– É fácil entender: nós, graças a Deus, não vivemos com o salário mínimo e nem somos aposentados. É só estender a mão e as moedas aparecem. O povo é muito generoso. Às vezes dá o que não tem. Os políticos é que não prestam (salvo algumas exceções), são uns egoístas, só pensam neles. Mas, um dia a casa cai... Agora, não pense Severino, que eu não estou preocupado... Você já calculou todo esse pessoal morando embaixo das pontes? Não há pontes suficientes... E nós, que já somos inquilinos antigos, como ficará a nossa situação? Inquilino que não paga aluguel, de acordo com a lei, é despejado.
– Ah! Isso é verdade!
– Agora, meu amigo, enquanto isso não acontecer, vamos gozar esse lugar: é um verdadeiro paraíso!
– Gerivaldo! Gerivaldo! Você é um sábio!
Geraldo olhou Severino e pela primeira vez o viu sorrindo.
Rodolpho Civile
Páginas
- Textos
- Quem somos
- Diretoria
- Estatuto
- Autores
- Livros
- Jornadas
- Prêmio Prosa
- Prêmio Poesia
- Prêmio Desempenho
- Prêmio Assiduidade
- Galeria dos Presidentes
- Antologias
- Coletâneas
- História (para download)
- Hino
- Coleção Letra de Médico
- Associe-se
- Atualização de Cadastro
- O Bandeirante
- Memórias Literárias
- AGENDA 2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos sua atenção. Se possível deixe informações para fazermos contato.