Tinha dias que ele ficava olhando o horizonte lá longe, um
tempão. Cismava com o que haveria pra lá daquela fímbria que quase não se via. Imaginava
grandiosidades e porcarias, tudo ao mesmo tempo. Besteira... Quando cansava da
pasmaceira de olhar o longe que mal enxergava, tocava o rumo do pensamento pra
outro canto. Sem querer, esfregava a palma de uma mão com o dedo indicador da
outra e sentia a textura dos anos saltando. Calos duros, rachados alguns. De
que adiantou tanto muque, tanta “bateção” de cabeça, tanto sofrimento? Mas não
deixava marejar os olhos, pois disso já se cansara em tantos dias iguais a
este, de pensar no distante. Então desviava o rumo do pensamento de novo, que
era pra não embilolar o
cucuruto com pensamento tão
sem propósito.
Queria coisa melhor pra pensar. Coisa de maior importância
e serventia do que ficar naquele terententém do dia inteiro e de todo dia, de toda
hora e de um dia depois do outro, depois do outro e depois do outro. Muita
coisa pra fazer, pra esquentar o juízo, pra responder sozinho, sem ninguém pra
dividir prosa ou trabalho. E uma porção de gente pra dizer cadê isso, cadê
aquilo, por que é que você não viu aquilo outro... Queria era coisa melhor pra
pensar e pra se ocupar.
Mas então a caraminhola da cabeça já nem sabia que rumo tomar,
pois vinha um gosto amargo subindo pela garganta e fazendo água azeda na boca.
Saliva grossa que ele engolia, como fazia quase todo dia com tanto desaforo,
tanta mal-querença e falta-de-jeito no trato, tamanha desavergonhice no
procedimento, tanto fanatismo desmiolado, destramelice da boca, destemperança
do juízo e falta de respeito, tudo coisa de engrossar saliva com gosto ruim. E
era só desse tipo de coisa que um filho de ninguém tinha resolvido ocupar seu
tempo, todo dia e toda hora.
Mas daí então passava a mão de calos e torturas na cabeça
do cachorro que dormitava a seu lado. Fazia um carinho meio desajeitado, pois
rudeza e carinho às vezes combinam. O cão abria um olho agradecido e deixava o
outro continuar sonhando com suas coisas de cachorro. Pensava outra vez no
longe que seus olhos não alcançavam. Desviava o olhar. A fímbria do horizonte
continuava lá, na sua distância, e ao seu lado havia um cão que dormitava,
indiferente à tarde.
MARCOS GIMENES SALUN
VENCEDOR DO PRÊMIO FLERTS NEBÓ 2011-2012
MARCOS SALUM ARRANCANDO DE DENTRO DE SI ATRAVES DE SEU CONTO COISAS PARA FAZER PENSAR USANDO A MAESTRIA E A SENSIBILIDADE DOS QUE DOMINAM MUITO BEM ESTE OFICIO. LJORGE.
ResponderExcluirValeu, poeta campeão! O incentivo é tudo.
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