22/11/2019

VIDAS EM JOGO


Por: Aldo Cesar Ribeiro Carpinetti

Ele teve um pressentimento de que aquele plantão seria agitado; o suor já abria caminhos em seu tórax.
— Boa noite doutor, tudo bem? O movimento está bombando. Já tem duas crianças febris para o senhor avaliar, a mãe acha que a filha está com meningite. São todas dramáticas,
— Pode deixar, vou vê-las. Pede para a Dona Terezinha trazer uma caneca de café forte, para não perder o costume.
     — Eu peço. Ah, seu colega da emergência pediu para avisá-lo que vai atrasar, para o senhor segurar a barra até a chegada. Trânsito ruim de novo.
     — É sempre assim. Bem, vamos ver. Com este calor o povo sai para tomar uns drinques e fazem besteira na rua, com carro ou moto.
    — Verdade, daqui a pouco aparece os bebuns, isto se não aparecerem os acidentados.
     — Vira esta boca para lá, Claudinha.
     Ele entra na ala das crianças.
     — Boa noite senhora. O que houve com esta lindinha, toda pálida?
     — Ah doutor, o dia todo vomitando, só deu febre uma vez, já olhei na internet e vi que pode ser muita coisa.
     — Verdade, mas vamos com calma, vou examiná-la e pedir alguns exames.
     — E o garoto aqui, de uniforme de Batman? Já vi que está febril também.
     — Tá sim doutor, febre desde ontem, não come nada.
     Aparece na sala Claudinha.
    — Doutor, estão te chamando na emer-gência de adultos. Um professor aposentado, 92 anos, parece bala perdida, está sangrando e um rapaz de 22 anos, trazido pela polícia, troca de tiros, dizem que tentou violentar uma criança.
    — Vamos ver quem está mais grave.
   — Os dois estão, não vai dar tempo de atender, tem que escolher um deles.
   — O critério vai ser o de sempre, aquele que tem mais tempo de vida e sobrevivência.
   — O senhor é quem sabe. Salvar aquele traste de indivíduo, sabendo que mais tarde, vai aprontar de novo?
   — Claudinha, nossos plantões na periferia tem sido assim e eu não posso mudar esta realidade.
   — Eu sei doutor, a mesma história de sempre. Então tá, eu e as colegas da enfer-magem só vamos obedecer seus procedimentos. Prometo que não vou dar opinião.
   — O caso do rapaz é cirurgia urgente, pela perfuração pegou alguma artéria importante, avise a equipe.
  — Já estão preparando a sala, vamos subir com ele. Ah, acabou de chegar uma paciente com parada cardíaca, o que fazemos? A recepção disse que é uma usuária de drogas.
  — O meu colega ainda não chegou? Vou ver se ainda dá tempo de ver aquele senhor.
  — Não se preocupe com ele, já acabou. As crianças estão esperando.
  — Eu sei.
  — Ah, sua esposa mandou mensagem, quer saber se o senhor prefere pizza de mussa-rela ou portuguesa para entregar.
  — Qualquer uma, Claudinha. Não estou com cabeça para escolher.
  — Então tá, vou pedir portuguesa sem cebola, eu não gosto.
  — E o meu café? Esqueceram de mim?
  — A dona Terezinha saiu correndo para casa, o marido passou mal, está sozinho.
 Ele não estava gostando de nada disto.  Atender sem café... parece que faltava alguma coisa, tipo assim, um estímulo para continuar tudo aquilo.
 Alguns minutos depois, chega seu colega de plantão:
   — E aí, tudo bem? Desculpe, este trânsito é um inferno. Ah, nosso time está jogando, já viu na TV quem está ganhando?



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