20/03/2011

PEQUENOS APONTAMENTOS SOBRE A SOLIDARIEDADE E A JUSTIÇA

Para se entender o verdadeiro sentido da solidariedade deve-se perceber e analisar todos os seus possíveis ângulos, desde os mais evidentes até os que, dissimulados ou de forma sub-reptícia, estejam implícitos no seu significado. Cito aqui o significado que me parece mais evidente: solidariedade é quando um grupo de pessoas se obriga umas com as outras e todas entre si, seja através de um juramento solene, seja por meio de simples empenho da palavra, e daí se estabelece um pacto ou acordo. Este, por sua vez, deve ser mantido a todo custo, sob pena de se romper o elo que motivou a união pactual dessas pessoas.
Há que se levar em conta também quais foram os motivos que levaram essas pessoas ou esse grupo a unir-se e a estabelecer tal pacto. Não paira qualquer dúvida que, sem uma causa comum, não existe qualquer ajuste ou convenção entre quem quer que seja. Por si, o próprio ato de se estabelecer tal acordo pressupõe a existência de uma comunhão de ideais, de princípios, de objetivos, de alvos, de afinidades ou seja lá quais forem as convergências. Ao fim, pressupõem-se a existência mútua de interesses e deveres. Ser solidário pode (e normalmente deve) significar ter que honrar o pacto firmado, sejam quais forem as circunstâncias: boas ou más.
Cabe ainda destacar que a solidariedade pressupõe o estado que resulta da comunhão de atitudes e sentimentos do grupo, de forma que este venha a se constituir numa unidade sólida, capaz de oferecer resistências às forças externas, e até mesmo, de se tornar mais firme ainda em face da oposição que vem de fora. A existência de um acordo, desta forma, significa também o fortalecimento de alguma convicção, seja ela qual for, pois faz supor a existência de união de forças ou ideais convergentes, que eventualmente seriam debilitados se fossem defendidos de forma isolada.
Ora, até aqui, meu discurso foi meramente uma coletânea de significados que se encontram estampados na maioria dos bons dicionários. Nada mais. Daqui para frente, no entanto, começo a divagar comigo mesmo e a tecer algumas conjecturas sobre a solidariedade. Apenas abstrações revestidas da maior subjetividade possível, sem quaisquer pretensões de que sejam aceitas como verdades ou premissas de conduta. São apenas as “minhas” verdades, as que têm me induzido à “minha” conduta, ambas, passíveis de um melhor discernimento e de um melhor aconselhamento para que sejam aperfeiçoadas e possam me propiciar um melhor resultado. Aceito, de bom grado, o que de positivo puderem me aconselhar e acrescentar.
Parece-me, desde algum tempo, que solidariedade e justiça deveriam caminhar lado a lado. Talvez pudessem ser subentendidas até como sinônimos. No entanto, a se pensar mais profundamente sobre essa relação, pode-se ver que não é tão simples assim. Como alguém pode ser solidário com algo que não seja justo?  Depende do objetivo com que se realizou o “pacto de solidariedade” com o grupo ao qual se é fiel! Assim, só para citar um exemplo, um traficante de drogas que celebra um pacto entre seus comparsas para atingir seu objetivo comum, o que pode abranger desde pequenas contravenções penais até crimes de grandes repercussões, não está agindo com justiça. Pelo menos aos olhos de quem tem algum senso de justiça e dos malefícios que essa atividade nefasta representa para a sociedade em geral e para todas as demais associações que lhe sejam opostas.
E quantos outros exemplos não poderiam ser citados... Praticamente em todas as atividades da existência humana hodierna existe algum tipo de associação que pressupõem a conjugação de interesses, que por sua vez significa algum tipo de acordo em defesa de objetivos mútuos propostos, e que em última análise traz implícito o conceito de solidariedade que deve ser o sustentáculo dessa união. E que, por óbvio, pode estar em desarmonia com os interesses de outros grupos ou associações. Com isso, é evidente, não há senso comum de justiça ou de harmonia ou de solidariedade ou do que quer que seja, devido ao evidente conflito de interesses existente na própria relação social do ser humano.
Então, nesta altura de meu raciocínio, eu deveria pensar que solidariedade e justiça não têm nada em comum, já que existem associações (e pactos) que em nada lembram os princípios básicos do que possa ser entendido como algo justo. Segundo Valdemar Sansão “A melhor definição de justiça, que comporta muitos conceitos, é ter cada um o que é seu. Assim, agir com justiça é dar a cada qual o que lhe pertence. É a absoluta imparcialidade na concessão, distribuição e manutenção de qualquer vantagem, bem ou interesse de toda espécie, ao ser humano.” Embora eu concorde até certo ponto com o conceito básico da divisão igualitária proposto pelo autor, acho-a utópica. Os conceitos socialistas ou comunistas não são o fulcro deste pequeno ensaio e, portanto não quero me ater a discuti-los. A citação foi feita apenas como um ponto a mais de reflexão. 
Para mim, no entanto, o conceito de justiça é muito mais amplo, pois envolve além de distribuição igualitária de haveres, também uma série de deveres e obrigações que todo cidadão deve ter para com o seu compromisso principal, que a meu ver é com a humanidade como um todo. Este é o maior pacto que podemos realizar. É com ele que devemos nos comprometer e ser solidários. Em minha opinião, muitas vezes a passividade com que encaramos as nossas relações cotidianas para com o mundo em que vivemos é nosso maior vício, este sim passível de que lhe cavemos profunda e inexpugnável masmorra. Se assim não o fizermos, seremos cúmplices da hipocrisia íntima, a meu ver a maior das agressões que o ser humano pode cometer contra si mesmo e contra o seu semelhante. Em resumo, eu diria que é sempre fácil ser solidário com o que nos é conveniente. O desafio está em encontrar um equilíbrio ideal entre solidariedade e justiça, que sob meu modesto ponto de vista deveriam sempre andar par-e-passo, e sempre em sintonia com o compromisso íntimo que cada um de nós fez com seu grupo de convivência, que ao final, é o seu ponto de convergências de afinidades e de ideais a serem atingidos.

Marcos Gimenes Salun

Um comentário:

  1. O MARCOS É INCISIVO NOS SEUS TEXTOS. ABOCANHA COM AVIDEZ OS TEMAS E OS DESTRINCHA DE UM JEITO
    QUE NÃO SOBRA PELE SOBRE OSSO. TEM UM CONTO EM QUE FALA DA SAUDADE ATRAVES DA IMAGEM DE UM HOMEM RECORDANDO-SE MENINO,EM UM JOGO DE FUTEBOL, EM UM CAMPINHO PROXIMO A SUA CASA.PARECE QUE ESTIVE LÁ, NESTE CAMPINHO, QUE EU ARRISCO CHAMAR DE 'EXISTENCIA'.

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