Por Helio Begliomini
“Quem não vive para servir não serve para
viver”. (Máxima popular.)
As academias sobrevivem desde tempos imemoriais. São mais que bimilenares. Tem-se que a primeira delas originou-se com Platão (427-348 a.C.), no ano de 327 a.C. Ele se reunia com seus discípulos para discussões filosóficas – origem de sua renomada Escola –, no mesmo local em que teria morrido o herói Akademus, galardoado pelos deuses com a intocabilidade de seus domínios e em cujo sítio fora construído um templo à deusa da sabedoria e da inteligência, Atena.
Por inspiração e por atavismo, seus seguidores
cultivavam os valores da inteligência, da sabedoria e da beleza e permeavam seu
relacionamento com as virtudes da fraternidade, solidariedade e lealdade.
Embora
muito distante da hodierna era da informática, o aparecimento da academia
mescla o mundo real com o etéreo ditado pela substanciosa e fértil mitologia
grega.
A academia
de então nada mais era do que o embrião das universidades que viriam a se
formar na Europa medieval dos séculos XII e XIII, particularmente na Itália e
na França.
O grupo
aglutinado ao redor de Platão e, ao longo dos séculos subseqüentes no seio de
outras instituições congêneres, tinha como denominador comum o anseio pelo
conhecimento, pelo entendimento ou ciência e, por conseguinte, pela verdade.
Esses mesmos ideais e anelos distinguiam seus membros dos cidadãos comuns,
irmanando-os naturalmente em confrarias, ainda que não se jactassem com esse
nome.
É próprio
do ser humano viver em sociedade e defender seus territórios, mesmo que sejam
de ordem cultural. Assim, com os membros das academias surgia naturalmente a
necessidade de se proteger e de se querer bem.
As
academias, que desde priscas eras começavam a arregimentar entre seus membros,
cada vez mais, um grupo seleto de participantes – uma massa pensante crítica e
influente, nem sempre condizente e, por vezes, contrapondo-se com os interesses
dos governantes –, não resistiram ao poder e a interferência do mando político,
sendo, a tradicional Academia de Atenas supressa, em 529 d.C., pelo imperador
romano Justiniano I (483-565).
Observa-se
que as academias surgiram da necessidade inata que plasma o ser humano de se
aprofundar no conhecimento, através do exercício da razão, para, em seguida,
interagir e interferir com a vida em sociedade.
De nada
vale segregar o conhecimento adquirido ou a verdade encontrada (deduzida), por
vezes a duras penas, dos demais membros da sociedade, alijando-os das benesses
deles advindos, ainda que eles não estejam preparados para compreendê-los ou
utilizá-los.
As
academias ressurgiram com plena força na transição entre a Baixa Idade Média e
a Idade Moderna, particularmente nos séculos XV e XVI, com o Renascimento, e
tiveram na Academia Francesa, fundada, em 1635, pelo
cardeal Richelieu (1585-1642), seu paradigma, o qual as têm norteado até
os tempos atuais.
Dentre as
prerrogativas que caracterizam as academias dos tempos modernos está o número
restrito de participantes – limitados tradicionalmente em quarenta – e, a
vitaliciedade, ou seja, a eleição de um novel acadêmico só pode ocorrer com a
morte de um titular.
Assim, ao
longo do tempo, os pertencentes às academias foram alcunhados de imortais. E a
“imortalidade” lhes deve ser familiar, não no que tange a materialidade e a
efemeridade de seus corpos, mas sim, ao alcance e a importância de suas obras e
feitos.
Felizmente,
hoje em dia, há um grande número de pessoas que poderia pertencer às academias.
Pelo graduado contingente disponível, sobremodo em grandes cidades, e pelo
tradicional afunilamento no ingresso em tais sodalícios, não seria nenhum
atrevimento dizer que há, até, proporcionalmente, maior número de talentos fora
do que dentro dessas entidades.
É natural
que tais prerrogativas limitam muito os eleitos e que critérios nem sempre
técnicos, mas subjetivos, políticos, de amizade e de benemerência, dentre
outros possam prevalecer, por vezes, na escolha de um candidato.
Verdade
também é que nem todos os elegíveis têm o espírito acadêmico de viver e de
compartilhar seus feitos em grupo, em coletividade. Embora a excentricidade e a
vaidade sufoquem ou arrefeçam os predicados de alguns acadêmicos, para outros,
apesar de seus méritos, tornam-se fatores impeditivos de pertença a tais
silogeus.
Isto posto,
merece reflexão serena, ao mesmo tempo em que profunda, por parte das academias
– lato sensu –, de seus dirigentes e
de seus membros, uma vez que tais instituições não devem ser tidas como
fossilizadas, démodé, inertes e
marginais. Ao contrário, precisam disponibilizar sua cultura, seu conhecimento,
seus virtuoses ao bem comum social, interagindo e melhorando seu entorno, tão
amplo quanto possível, tal qual a propagação de ondas numa superfície líquida.
As
academias de letras pelo seu próprio mister devem interagir com suas
comunidades, escolas, faculdades, universidades, bibliotecas e instituições
congêneres, oferecendo programas de palestras, conferências, cursos, tertúlias
e instituindo concursos literários, a fim de promover o cultivo do vernáculo, a
divulgação da cultura e o fomento pelo saber.
No contexto
hodierno há dois fatores que se lhe antepõem nesse desiderato: um intrínseco e
outro extrínseco. O primeiro deles deve-se aos parcos recursos que perpassa a
quase totalidade das entidades culturais neste país, contribuindo para abortar
projetos sequer concebidos, gestados ou paridos. A esse fator acrescenta-se o
desgaste que a todos acomete pela azáfama da vida moderna, tornando quaisquer
que sejam as ações diletantes, portanto, não-remuneradas, como secundárias ou
não-prioritárias. E vários acadêmicos não têm ficado imune a mais este percalço
dos tempos atuais.
Na esteira
desse pano de fundo deve-se citar que, como fator extrínseco, vive-se numa
sociedade marcada pelo utilitarismo, pragmatismo, materialismo e hedonismo que,
por sua vez, desconsidera ou ignora os valores do espírito e da cultura.
Paradoxalmente, a mentalidade reinante do self-service
e do descartável contrapõe-se ao interesse pelo estudo, pelo aprofundamento,
desvalorizando o sacrifício, o sentimento e o altruísmo.
É neste
contexto, minado por forças antagônicas internas e externas, que as atuais
academias de letras – verdadeiros oásis culturais –, regra-geral, se encontram.
Curiosamente, é também nele em que elas devem encontrar o substrato de seu
plano de ação, ou seja, mostrar o porquê de suas existências, transformando
realidades e humanizando ambientes.
Nada mais
oportuno do que lembrar o lema da Academia das Ciências de Lisboa fundada, em
1779: “Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria”, traduzido por “Se não for útil o que fizermos, a glória será
vã”.
A fim de
que o ideal do conhecimento, ciência, sabedoria, beleza e verdade materializado
na vetusta Academia de Platão, mas inerente a todo homem, não esmoreça, os
hodiernos acadêmicos e seus sodalícios de letras deverão labutar contracorrente
e em desvantagem, haurindo energias e vitalidade de seus precursores, a fim de
suavizar a fantástica saga humana.
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