15/01/2020

A IMPORTÂNCIA DAS ACADEMIAS DE LETRAS NA TRANSFORMAÇÃO DO SER HUMANO



Por Helio Begliomini

Quem não vive para servir não serve para viver”. (Máxima popular.)

As academias sobrevivem desde tempos imemoriais. São mais que bimilenares. Tem-se que a primeira delas originou-se com Platão (427-348 a.C.), no ano de 327 a.C. Ele se reunia com seus discípulos para discussões filosóficas – origem de sua renomada Escola –, no mesmo local em que teria morrido o herói Akademus, galardoado pelos deuses com a intocabilidade de seus domínios e em cujo sítio fora construído um templo à deusa da sabedoria e da inteligência, Atena.

 Por inspiração e por atavismo, seus seguidores cultivavam os valores da inteligência, da sabedoria e da beleza e permeavam seu relacionamento com as virtudes da fraternidade, solidariedade e lealdade.

Embora muito distante da hodierna era da informática, o aparecimento da academia mescla o mundo real com o etéreo ditado pela substanciosa e fértil mitologia grega.

A academia de então nada mais era do que o embrião das universidades que viriam a se formar na Europa medieval dos séculos XII e XIII, particularmente na Itália e na França.

O grupo aglutinado ao redor de Platão e, ao longo dos séculos subseqüentes no seio de outras instituições congêneres, tinha como denominador comum o anseio pelo conhecimento, pelo entendimento ou ciência e, por conseguinte, pela verdade. Esses mesmos ideais e anelos distinguiam seus membros dos cidadãos comuns, irmanando-os naturalmente em confrarias, ainda que não se jactassem com esse nome.

É próprio do ser humano viver em sociedade e defender seus territórios, mesmo que sejam de ordem cultural. Assim, com os membros das academias surgia naturalmente a necessidade de se proteger e de se querer bem. 
As academias, que desde priscas eras começavam a arregimentar entre seus membros, cada vez mais, um grupo seleto de participantes – uma massa pensante crítica e influente, nem sempre condizente e, por vezes, contrapondo-se com os interesses dos governantes –, não resistiram ao poder e a interferência do mando político, sendo, a tradicional Academia de Atenas supressa, em 529 d.C., pelo imperador romano Justiniano I (483-565).

Observa-se que as academias surgiram da necessidade inata que plasma o ser humano de se aprofundar no conhecimento, através do exercício da razão, para, em seguida, interagir e interferir com a vida em sociedade.

De nada vale segregar o conhecimento adquirido ou a verdade encontrada (deduzida), por vezes a duras penas, dos demais membros da sociedade, alijando-os das benesses deles advindos, ainda que eles não estejam preparados para compreendê-los ou utilizá-los.

As academias ressurgiram com plena força na transição entre a Baixa Idade Média e a Idade Moderna, particularmente nos séculos XV e XVI, com o Renascimento, e tiveram na Academia Francesa, fundada, em 1635, pelo cardeal Richelieu (1585-1642), seu paradigma, o qual as têm norteado até os tempos atuais.

Dentre as prerrogativas que caracterizam as academias dos tempos modernos está o número restrito de participantes – limitados tradicionalmente em quarenta – e, a vitaliciedade, ou seja, a eleição de um novel acadêmico só pode ocorrer com a morte de um titular.

Assim, ao longo do tempo, os pertencentes às academias foram alcunhados de imortais. E a “imortalidade” lhes deve ser familiar, não no que tange a materialidade e a efemeridade de seus corpos, mas sim, ao alcance e a importância de suas obras e feitos.

Felizmente, hoje em dia, há um grande número de pessoas que poderia pertencer às academias. Pelo graduado contingente disponível, sobremodo em grandes cidades, e pelo tradicional afunilamento no ingresso em tais sodalícios, não seria nenhum atrevimento dizer que há, até, proporcionalmente, maior número de talentos fora do que dentro dessas entidades.

É natural que tais prerrogativas limitam muito os eleitos e que critérios nem sempre técnicos, mas subjetivos, políticos, de amizade e de benemerência, dentre outros possam prevalecer, por vezes, na escolha de um candidato.

Verdade também é que nem todos os elegíveis têm o espírito acadêmico de viver e de compartilhar seus feitos em grupo, em coletividade. Embora a excentricidade e a vaidade sufoquem ou arrefeçam os predicados de alguns acadêmicos, para outros, apesar de seus méritos, tornam-se fatores impeditivos de pertença a tais silogeus.

Isto posto, merece reflexão serena, ao mesmo tempo em que profunda, por parte das academias – lato sensu –, de seus dirigentes e de seus membros, uma vez que tais instituições não devem ser tidas como fossilizadas, démodé, inertes e marginais. Ao contrário, precisam disponibilizar sua cultura, seu conhecimento, seus virtuoses ao bem comum social, interagindo e melhorando seu entorno, tão amplo quanto possível, tal qual a propagação de ondas numa superfície líquida.

As academias de letras pelo seu próprio mister devem interagir com suas comunidades, escolas, faculdades, universidades, bibliotecas e instituições congêneres, oferecendo programas de palestras, conferências, cursos, tertúlias e instituindo concursos literários, a fim de promover o cultivo do vernáculo, a divulgação da cultura e o fomento pelo saber.

No contexto hodierno há dois fatores que se lhe antepõem nesse desiderato: um intrínseco e outro extrínseco. O primeiro deles deve-se aos parcos recursos que perpassa a quase totalidade das entidades culturais neste país, contribuindo para abortar projetos sequer concebidos, gestados ou paridos. A esse fator acrescenta-se o desgaste que a todos acomete pela azáfama da vida moderna, tornando quaisquer que sejam as ações diletantes, portanto, não-remuneradas, como secundárias ou não-prioritárias. E vários acadêmicos não têm ficado imune a mais este percalço dos tempos atuais.

Na esteira desse pano de fundo deve-se citar que, como fator extrínseco, vive-se numa sociedade marcada pelo utilitarismo, pragmatismo, materialismo e hedonismo que, por sua vez, desconsidera ou ignora os valores do espírito e da cultura. Paradoxalmente, a mentalidade reinante do self-service e do descartável contrapõe-se ao interesse pelo estudo, pelo aprofundamento, desvalorizando o sacrifício, o sentimento e o altruísmo.

É neste contexto, minado por forças antagônicas internas e externas, que as atuais academias de letras – verdadeiros oásis culturais –, regra-geral, se encontram. Curiosamente, é também nele em que elas devem encontrar o substrato de seu plano de ação, ou seja, mostrar o porquê de suas existências, transformando realidades e humanizando ambientes.

Nada mais oportuno do que lembrar o lema da Academia das Ciências de Lisboa fundada, em 1779: Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria, traduzido por “Se não for útil o que fizermos, a glória será vã”.

A fim de que o ideal do conhecimento, ciência, sabedoria, beleza e verdade materializado na vetusta Academia de Platão, mas inerente a todo homem, não esmoreça, os hodiernos acadêmicos e seus sodalícios de letras deverão labutar contracorrente e em desvantagem, haurindo energias e vitalidade de seus precursores, a fim de suavizar a fantástica saga humana.

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