Quincas queria ser papai Noel. Mas Quincas era preto. Luiz queira ser a grande rena guia, mas Luiz era baixinho. Bebeçudo queria ser o arauto, mas Bebeçudo era gago. Colo prontificou-se a arrumar os brinquedos. Mas Colo era sequelado de pólio e tinha dificuldades motoras. Saçuca queria ser o guia, mas Saçuca era quase cego. Rex , o grande cão estava a postos, pelos limpos, os dentes escovados. Eles tinham usado a escova de Ângela, irmã maio do Bebeçudo.
O cachorro estava enfeitado de tiras de pano e sobras de purpurina. Tinha esmalte de unha nas patas e uma lista no dorso feita com tinta branca de sapato. Rex foi guardado no banheiro. Até a hora da partida. A caixa de papelão em que a mãe de Quincas guardava a roupa limpa dos fregueses de “roupa lavada para fora”, foi decorada com borboletas coloridas, presas nela com espinhos de laranjeiras. Cheio de plumagem de galinha no rosto, Quincas estava simpático de brancas barbas e enorme bigodes. Ensaiaram a música aprendida na escola pública. E reuniram os presentes a serem ofertados. Quincas doaria um chinelo feito de restos de pneu de carro. Bebeçudo, um livro de Monteiro Lobato gasto de riscos de lápis e rasgões aqui e ali, que nunca conseguira ler. Colo, dois dentes de leite, presos a um sujo e puído fio de nylon.Que inutilmente tentara trocar com a fada, por moedas.
Saçuca meio a contragosto ouviu uma estória de poraquê que seu pai contara em uma roda de pinga e pescaria. Luiz ficou com a tarefa de conseguir sal para porem nas mangas verdes que ofertariam como ceia.
Enquanto organizavam esta empreitada foi avançando a noite.
E de repente já era muito tarde para cinco moleques descalços, vestido apenas com calções encardidos e camisetas descosturadas, saíssem com fome de suas casas e andassem pelas ruas escuras e silenciosas da Vila, procurando crianças pobres para doar presentes. Era perder tempo. Que crianças mais pobres iam encontrar que eles mesmos?
Depois de perambularem um pouco pelo quintal, tornaram a sentar e cada um apanhou o que mais lhe agradava dos presentes reunidos e em seguida comeram as mangas temperadas com sal. Estavam a sós na casa de Bebeçudo. Os pais haviam ido para a fila da prefeitura pegar a cesta básica. Satisfeitos!
Abraçaram Quincas “O Papai Noel” que havia distribuído os presentes, abraçaram-no com tanta alegria, que o derrubaram sobre a caixa de papelão, provocando um imenso barulho e sujando a roupa limpa. E Quincas choramingou, despregando a barba branca, descolando os bigodes. Pensou na surra que levaria de manhã.
Cansados dormiram ali mesmo no chão de terra batida. No quintal, Rex mergulhando na bacia cheia de água, latia e rosnava satisfeito de ver aquele monte de purpurina colorida, flutuando em meio a sua urina amarela.
Parecia natal. Quando os pais chegaram os cinco estavam mortos, envenenados de manga com carbonato de sódio. Rex continuava latindo. Agora mais devagar.
Luiz Jorge Ferreira
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