21/07/2011

ANGÚSTIA

Pegou na mão da filha e saíram para a rua; era um final de tarde de outono com ventos frios e folhas secas. As pessoas se agasalhavam para andar pelas praças. Fechou a porta e conferiu novamente. Alguns passos adiante voltou, olhando o portão vazio, o jardim mal cuidado há tanto tempo.
A filha olhou nos olhos do pai transmitindo aquela linguagem que vem do fundo da alma e que somente as crianças conseguem se fazer entender. Não precisou falar, o pai já entendeu a pergunta.
- Vamos comprar flores.
- Prá mamãe?
- Prá mamãe.
Continuaram andando e de vez em quando sentia um vento frio entrando pela gola puída da camisa enquanto que os pensamentos dos dois divagavam ao sabor do destino. Pensava no que era o destino, talvez alguma coisa escrita há muitos e muitos anos e que deveriam cumprir como um papel de teatro, chegando ao final do último ato com a consciência de que a missão estava cumprida.
Andavam; um cachorro cheirou o sapato da menina, que deu um pulo em direção ao pai. Pensou na temporalidade da vida: tudo era temporário, ele, a mulher, a filha, o cachorro desconhecido. Pensou em como tudo começa e acaba e que se fosse eterno talvez estivesse pensando o contrário agora.
- Falta muito?
- Não, já estamos perto.
Passou por lojas, ponto de ônibus, boteco de esquina. A mão da filha não se soltava da dele e talvez ali estivesse envolvida toda a química da eternidade dentro de cada momento. Imaginava que momentos tão delicados quanto aquele, andar de mãos dadas com a filha pequena, não seriam apenas temporários, teriam o gosto da eternidade a cada passo dado.
Pararam no farol: carros, ônibus, fumaça, pessoas correndo apressadas. Talvez os momentos fossem mais curtos para quem era apressado. Não perderia aqueles instantes por nada: segurar na mão da filha era se sentir forte, herói, até talvez, anjo da guarda que veio para tomar conta de uma criança.
A mão forte e segura era a única coisa que poderia oferecer à filha, além de sorrisos carregados de uma angústia, de uma tristeza que não tinha fim. Tinha a certeza de que jamais a abandonaria, mesmo que o momento solene e puro que vivia naquele farol vermelho passasse.
Do outro lado o vendedor de flores distribuiu um sorriso para os dois; sempre os esperava, apesar de não serem tão assíduos. Comprava sempre uma única rosa vermelha, a mais vermelha de todas e ele, bom vendedor, sempre deixava a melhor guardada para os dois.
- É a mais bonita de todas, guardei caprichado!
Não sabia os seus nomes, nem quem eram, mas não tinha coragem de perguntar, de invadir uma privacidade que talvez não lhe quisessem compartilhar. Apenas sorria, entregava a rosa bem vermelha e recebia aquele realzinho muitas vezes em moedas pequenas que lhe enchiam a mão.
Por vezes acreditava ter visto os olhos do pai marejarem, mas talvez fosse só impressão; logo, pai e filha se olhavam, sorriam e davam meia volta perdendo-se no fim da rua sempre de mãos dadas.
Voltaram já no início de noite, devagar, como quem deixa o momento escorrer lentamente pela ampulheta da vida. Ele, já esquecido de seus pensamentos, ela, já cansada de andar tanto para um fim de dia.
Entraram na casa passando pelo jardim descuidado.
Pé ante pé foi ao quarto entregar a rosa. Sentou-se na cama dentro de um silêncio interminável. Cobriu o rosto com as mãos e chorou, chorou do fundo da alma, um choro seco, abandonado, sem chamar a atenção da filha que já brincava no chão da sala com sua única boneca.
No criado mudo empoeirado, a rosa jazia em frente ao retrato da esposa sorrindo inabalável, os lábios vermelhos como a flor. Levantou-se carregando o peso da saudade sem qualquer pensamento e saiu. A tristeza invadira novamente a sua alma...


ROBERTO ANTONIO ANICHE

Um comentário:

  1. Suas palavras tocam no fundo da alma, como se estivéssemos vivenciando cada momento. É muito lindo poder ler algo tão comovente, quando há tanto lixo "literário" circulando por aí.

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