Estou nu, mesmo coberto de pele, de pelo, de pó.
Estou azul mesmo colorido da nodoa do tempo
O que desboto empilho em monte de ferrugem e dor.
O que estilhaço amarro em feixes de lágrimas e saudades.
O que mastigo engulo em noites de insônia
Estou sem cor sem cheiro sem tato sem olfato e sem paladar.
Estou no mesmo lugar sempre, embora a vida toda, eu vague.
De dentro para fora de mim, de mim, para fora do dentro.
Sou um espantalho
Mantenho os braços abertos para um a abraço eterno com sol e com a lua
Tenho um sorriso calado e um grito amordaçado, enormemente pequeno.
Talvez se eu gritar eu cale, talvez se seu calar eu grite.
Eu sou um espantalho que amo as coisa ao contrário.
A água, o rio, a chuva, o silêncio, a balburdia dos quero-queros,
A solidão da semente, a doçura da serpente, colorida e traiçoeira.
Eu recebo o pouso dos insetos, das abelhas e das folhas secas.
Eu sou uma ratoeira, e eu próprio caio nela.
Estou palha e estou barro estou indo e estou parado
Estou cercado de nada e até o nada me incomoda.
Até que o nada sou eu, até que eu sou o nada,
Quando me dispo da palha do chapéu e do olhar.
Quando me deixo e me espalho e me perco mais de mim.
Ai eu sou o espantalho, ai eu sei o que valho.
Mas aí. É tarde demais!
Luiz Jorge Ferreira
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