22/03/2013

LUA NOVA, QUARTO MINGUANTE, FLAUTA DOCE

Ele tinha uma flauta esquecida no canto da sala.
Que ele apanhava para tocar sempre que a maré cheia trazia a lua para debaixo da casa.
Ele tocava lundus e valsas em compassos apaixonados.
Do outro lado do igarapé, as arraias, se espraiavam,  atônitas.
Pouco depois eram os sacis que pulavam na lama, e cuspiam cuspes, perfumados nos tralhotos, sempre no lado impar na margem esquerda.
Sozinho na casa feita de trapos, e tempos.
Ele começava seu dia lendo.
Lendo Voltaire, e rindo com a boca, e os intestinos, assim entrava pela noite.
Ele gostava mesmo era de descer o rio boiando de barriga para cima alvejando com seus muitos assovios libélulas e beija flores.
Os mais vagabundos eram os que o seguiam a cata de beijos e acenos.
Mas quando a maré subia pelos barrancos íngremes, e vinha se sujar no terreno seco debaixo dos cajueiros em flor, e ali  punha-se    a bulir com o ninho dos Pintassilgos. Era Domingo.
E se era Domingo, então ele se despia, retirava    do corpo dois pedaços puídos de pano agora quase pele, e corria pelo campo.
Perseguindo borboletas, que ele acreditava azuis.
Quando ele vivia em Madri o chamavam Catalão. Depois que andou pela Polinésia, e deu-se de corpo, e cor, para uma nativa altiva de porte exemplar e caminhar lânguido,    cresceu seu amor por amanhãs, e lembranças.
Um dia perseguindo a corrente de Gilbratar veio dar em Belém.
Bubuiando com os tucunarés, e embriagando-se de vinhos e defumações. Virou boto.
E ele quem toca a flauta quando a maré cheia de dengo sobe a beira do íngreme barranco, e arrasta a lua para debaixo do jirau da casa de palha onde ele mora com seus Sábados.
Ele apanha a flauta do seu canto ou nem sei se é ela que vai sobre as notas agasalhar-se em sua boca moída e mascada como um pergaminho. Ou vice-versa.
E ambos tentam apaixonar a lua que nova e cheia de caprichos.
Não dá bola.
E num quarto crescente de desafagos e lamentos, não se demora e mingua, mingua minguante entre Cobras grandes e murures.

Um dia destes dias estranhos em que se chora rindo e se ri chorando, ele saiu em direção a mata, e a flauta ficou sozinha, ainda lá no canto.
Exatamente cada vez mais em silencio. A esperar. Como se esperar resolvesse a espera.Muda fez-se úmida.Úmida fez-se podre.
Podre fez-se lânguida. Lânguida fez-se coisa nenhuma.
Para o espanto da atônita lua.
Agora ela é só um nada, um trôpego pedaço de madeira,
sem som, sem  alma, saudosa dele, perambulando na maré.
Vadia e só.

LUIZ JORGE FERREIRA
SEGUNDA MENÇÃO HONROSA - PRÊMIO FLERTS NEBÓ 2011- 2012

Um comentário:

  1. Parabéns Luiz Jorge. Que você possa estar presente na próxima Pizza Literária para receber seu Certificado e o nosso aplauso.
    Márcia Etelli Coelho

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