22/01/2017

OS CHINELOS VOADORES





Recentemente, foi-me contada uma história sobre chinelos voadores. Semelhante à crença de tapetes mágicos, os chinelos também voavam. Foi narrada com tanta convicção, que parecia até verdade. O meu amigo me disse que havia vivido esta experiência quando estivera em Roma a negócios. Estava sozinho, uma vez que sua mulher ficara no Brasil. Costumava dormir cedo pois, pela manhã, tinha um longo trajeto a percorrer até chegar a seu destino em Nemi, não muito longe do Castel Gandolfo, residência de verão do Papa. Gostava de ir lá, porque sempre havia mais italianos que turistas e também porque o clima era bem mais agradável nas colinas que circundam Roma, com quase 5ºC a menos em relação à cidade lá embaixo. Para seus negócios — que não chegou a me dizer quais eram — era o local ideal, pois só lidava com o povo local, não sofrendo intervenção de estrangeiros, nem de turistas palpiteiros. Chegava no hotel exausto, logo tirava os sapatos e vestia os chinelos que comprara próximo do próprio hotel.

Rotineiramente, cansado, tomava um banho de imersão para relaxar, numa banheira antiga bem grande com pés de bronze imitando patas de leão. Quando saia dela, sabia que deixaria um rastro d’água até se enxugar. Por isso colocava os chinelos próximos da porta, para não molhá-los. Naquela noite deixou os chinelos no lugar costumeiro, porém não estavam mais lá quando foi calçá-los. Crente que se enganara foi até o quarto, mas não estavam lá também. Por mais que procurasse, nada. Daí a pouco, ouviu um suave assobio. Ué! Olhou na direção de onde viera o som e viu os chinelos no parapeito da janela do quarto.

— Que diabo estão fazendo ali? Devo estar doido por tê-los colocado lá!

Terminou de se vestir, pois ainda pretendia descer ao restaurante para jantar e decidiu guardar os chinelos. Não estavam mais na janela! Olhou para seus pés e viu que estava usando-os.

— Caramba. Estou mesmo ficando com amnésia.

Ele ainda precisava pentear o cabelo, mas ao dar um passo, pareceu ter dado uma passada mais larga que o normal, fora de seu controle. Mais um passo e quase caiu ao chão. Mais um e observou que os chinelos pareciam ter vida própria. Assustado, sentou-se para retirar os chinelos, mas não conseguiu, pois pareciam grudados nos seus pés. Ouviu então uma risadinha e, depois, novo assobio. Seus cabelos se arrepiaram, pois aqueles sons pareciam ter vindo de seus pés ou, mais precisamente, de seus chinelos.

— Que é isso? Alguma brincadeira? Amanhã vou tirar satisfação com o cara que me vendeu os chinelos.

No entanto, os chinelos queriam se mexer. Como não teve êxito em retirá-los, decidiu levantar de onde sentara e, imediatamente, começou a flutuar. Foi até difícil manter o equilíbrio, mas enfim conseguiu. Derrotado, tomou a decisão de ver o que iria acontecer a seguir.

Os chinelos o levaram até janela, que estava aberta, pois fazia calor e o obrigaram a subir na janela, na qual se segurou com toda a força possível, enquanto os chinelos tentavam fazer com que se soltasse. Olhava lá para baixo, pois estava no 10º andar do hotel e gritava:

— Socorro, me tirem daqui. Não quero morrer

Não resistiu por muito tempo. Aos poucos, pela insistência dos chinelos, seus dedos abandonaram a janela. Saíram voando, os chinelos levando-o a bel prazer.

— Nããããããão. Vamos voltar. Esqueci de pentear o cabelo!

Mas de nada adiantou a desculpa esfarrapada. Identificou vários lugares: o Coliseu, o Pantheon, a Fontana di Trevi. De repente, ele e os chinelos sobrevoavam Nemi e o Castel Gandolfo. Reconheceu os dois lagos, o menor, o de Nemi e o Lago Albano, próximo ao Palácio Papal, que se encontra na cratera de um vulcão extinto.

Parecia que os chinelos tinham predileção por água, pois começaram a voar sobre a superfície do lago, como se fossem esquis aquáticos. Ele até estava se divertindo; sempre quis saber qual era a sensação de esquiar, digo, voar sobre a água. Mas... tudo que é bom acaba, e os chinelos pararam de esquiar e ele começou a afundar na água. Estava afundando, a água já chegava à sua boca e mal conseguia gritar por socorro.

— Socor... glub, glub.

Deu um sobressalto e abriu os olhos. Estava quase se afogando na banheira do quarto do hotel. Refeito do susto e do pesadelo, levantou-se e se enxugou. Olhou para os inocentes chinelos que colocara longe da banheira para não molharem. Notou um certo brilho à distância. Chegando mais perto, viu que os chinelos estavam ensopados.

— Será que...?

Meu amigo não quis nem saber. Abriu a porta do apartamento, viu a lixeira do andar, pegou os chinelos, abriu a portinhola e jogou os chinelos lixeira abaixo. Quando foi fechar a lixeira, não é que ele ouviu de novo aquela risadinha e um suave assobio!

WALTER WHITTON HARRIS
SEGUNDA MENÇÃO HONROSA
PRÊMIO FLERTS NEBÓ 2015-2016

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