A rotina na vida
de muitas pessoas é um fato! Entre essas, podemos citar a do carteiro. Vamos
contar a história do carteiro José, pessoa humilde, trabalhadora e honesta que
mora na periferia da cidade. Pela manhã, no mesmo horário, todos os dias, José sai de casa para o mesmo trabalho. Ajuda a
separar as cartas por endereço, para não andar em ziguezague nas ruas quando for entregá-las. “Precisamos
usar a cabeça para diminuir o trabalho das pernas”! Costuma dizer aos amigos de
outras profissões. “Ainda bem que, apesar de
a bolsa ser pesada vai se esvaziando
à medida que as pernas vão cansando”.
As pessoas
primam pela responsabilidade dos eternos mensageiros. A rotina do trabalho faz
com que ele conheça todas as pessoas residentes no bairro onde trabalha.
Conhece o filho da Maria que foi
trabalhar em São Paulo e ainda se corresponde mensalmente com a mãe.
Vibra com a alegria da mãe ao receber a carta do filho. Sente-se o mensageiro
da alegria. A Judite abre-lhe um grande sorriso ao receber a carta do marido
bancário que foi transferido para São Paulo.
O carteiro sente-se o mensageiro
da paz. A Joana recebe com grande
alegria e beija a carta cada quinze dias ao recebê-la do namorado que atualmente
trabalha em Belo Horizonte. O carteiro sente-se o mensageiro do amor! O dono
do supermercado dá-lhe um sorriso imenso ao receber a correspondência do Banco
que demonstra-lhe os milhões acumulados! Sente-se o mensageiro da riqueza. De
vez em quando lhe traz correspondência do Fórum. Sente-se o mensageiro da
justiça! Quantas vezes teve vontade de
abrir a correspondência do dono do supermercado para verificar quantos milhões
no Banco e quantos processos na justiça! A ética entretanto, nunca lhe permitiu
tal desvio de caráter. A viúva Celestina
era outra que lhe causava espécie quando ele entregava-lhe uma carta e no outro
dia, ela viajava. Que segredo teria a
viúva Celestina? Para aonde iria frequentemente? Um filho, uma filha, um amante morando fora
da cidade? Isso ela nunca lhe disse! Ele tinha uma vontade imensa de saber, mas
a tal de ética comentada pelo chefe nas reuniões mensais, faziam-no respeitara
a digna profissão!
Assim vivia o
carteiro José na sua rotina de trabalho e de sonhos, de curiosidade e de desconfiança, mas de cumpridor emérito
de suas obrigações!
Certo dia, começou a ter dor nas pernas. O médico atropelado pelo
intenso trabalho do Postinho de Saúde,
por tantos pacientes e sem saber que ele era carteiro, disse-lhe que as dores
eram por falta de exercícios! Recomendou-lhe andar quatro quarteirões todos os dias. A dor
iria desaparecer. Informado que o paciente era carteiro e que andava cerca de
30 quilômetros por dia, mudou o diagnóstico e após RX dos joelhos, disse-lhe
que o caso era artrose avançada dos joelhos e ele deveria ser afastado
definitivamente do trabalho. A luta com os afastamentos foi intensa, mas depois
de algum tempo aposentou-se por falta de condições para o trabalho. A vida dele
modificou radicalmente! De “andarilho” passou a ser “estacionado”. A adaptação
foi difícil, mas a necessidade o obrigou ao repouso.
Sentado no
alpendre de sua pequena casa, via o novo carteiro passar. Ele trazia-lhe um breve sorriso, algumas
palavras passageiras, às vezes tomava um copo de água, mas o tempo de conversa era pequeno e a
ausência de correspondência para ele era infinita! Correspondência para ele não
vinha nunca! Sentia-se solitário e quase
abandonado por isso. Nunca tivera a satisfação de receber correspondência com o nome dele gravado no
envelope. Chegava a rir de sua própria tristeza! Riso trágico, macabro! Rir da
infelicidade é quase loucura! De quando em vez sonhava que estava em plena
atividade e sobressaltava-se ao acordar e ver que estava sentado no alpendre com
grande dificuldade de caminhar!
Os dias
passavam! Dois meses se passaram e o pobre carteiro imbuído no seu sonho de
ainda estar trabalhando, entregando felicidade e preocupação, foi perdendo a vontade de viver e de
sonhar. A depressão tomou conta de seu
corpo e de sua alma! Todos os dias fechava os olhos com aperto das pálpebras para
segurar algumas lágrimas que forçavam saltar quando o novo carteiro passava. Este cumprimentava-o, de vez em quando tomava água e partia. Alguns dias após,
entretanto, o carteiro novo com sorriso
aberto, trouxe-lhe a primeira carta no seu velho endereço. O velho carteiro não
se conteve e abriu a carta à frente do
amigo! Era uma carta de cumprimentos e um Diploma de Honra ao Mérito pelos 30
anos de trabalho na empresa para a qual
dedicou boa parte de sua vida. Desta vez o aperto dos olhos não foi capaz de
segurar as lágrimas que tentavam escorrer pela face! Desta vez, o carteiro
chorou...
NELSON JACINTHO
CONTO VENCEDOR ABRAMES 2017
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