22/11/2017

O CARTEIRO CHOROU...


A rotina na vida de muitas pessoas é um fato! Entre essas, podemos citar a do carteiro. Vamos contar a história do carteiro José, pessoa humilde, trabalhadora e honesta que mora na periferia da cidade. Pela manhã, no mesmo horário, todos os dias, José  sai de casa para o mesmo trabalho. Ajuda a separar as cartas por endereço, para não andar em ziguezague  nas ruas quando for entregá-las. “Precisamos usar a cabeça para diminuir o trabalho das pernas”! Costuma dizer aos amigos de outras profissões. “Ainda bem que, apesar de  a bolsa ser pesada  vai se esvaziando à medida que as pernas vão cansando”.
As pessoas primam pela responsabilidade dos eternos mensageiros. A rotina do trabalho faz com que ele conheça todas as pessoas residentes no bairro onde trabalha. Conhece o filho da Maria que foi  trabalhar em São Paulo e ainda se corresponde mensalmente com a mãe. Vibra com a alegria da mãe ao receber a carta do filho. Sente-se o mensageiro da alegria. A Judite abre-lhe um grande sorriso ao receber a carta do marido bancário que foi transferido para São Paulo.  O carteiro  sente-se o mensageiro da paz.  A Joana recebe com grande alegria e beija a carta cada quinze dias ao recebê-la do namorado que atualmente trabalha em Belo Horizonte. O carteiro sente-se o mensageiro do amor!  O  dono do supermercado dá-lhe um sorriso imenso ao receber a correspondência do Banco que demonstra-lhe os milhões acumulados! Sente-se o mensageiro da riqueza. De vez em quando lhe traz correspondência do Fórum. Sente-se o mensageiro da justiça!  Quantas vezes teve vontade de abrir a correspondência do dono do supermercado para verificar quantos milhões no Banco e quantos processos na justiça! A ética entretanto, nunca lhe permitiu tal desvio de caráter.  A viúva Celestina era outra que lhe causava espécie quando ele entregava-lhe uma carta e no outro dia, ela viajava.  Que segredo teria a viúva Celestina? Para aonde iria frequentemente?  Um filho, uma filha, um amante morando fora da cidade? Isso ela nunca lhe disse! Ele tinha uma vontade imensa de saber, mas a tal de ética comentada pelo chefe nas reuniões mensais, faziam-no respeitara a digna profissão!
Assim vivia o carteiro José na sua rotina de trabalho e de sonhos, de curiosidade  e de desconfiança, mas de cumpridor emérito de suas obrigações!
  Certo dia, começou a ter dor nas pernas. O médico atropelado pelo intenso trabalho  do Postinho de Saúde, por tantos pacientes e sem saber que ele era carteiro, disse-lhe que as dores eram por falta de exercícios! Recomendou-lhe  andar quatro quarteirões todos os dias. A dor iria desaparecer. Informado que o paciente era carteiro e que andava cerca de 30 quilômetros por dia, mudou o diagnóstico e após RX dos joelhos, disse-lhe que o caso era artrose avançada dos joelhos e ele deveria ser afastado definitivamente do trabalho. A luta com os afastamentos foi intensa, mas depois de algum tempo aposentou-se por falta de condições para o trabalho. A vida dele modificou radicalmente! De “andarilho” passou a ser “estacionado”. A adaptação foi difícil, mas a necessidade o obrigou ao repouso.
Sentado no alpendre de sua pequena casa, via o novo carteiro passar.  Ele trazia-lhe um breve sorriso, algumas palavras passageiras, às vezes tomava um copo de água,  mas o tempo de conversa era pequeno e a ausência de correspondência para ele era infinita! Correspondência para ele não vinha nunca!  Sentia-se solitário e quase abandonado por isso. Nunca tivera a satisfação de receber  correspondência com o nome dele gravado no envelope. Chegava a rir de sua própria tristeza! Riso trágico, macabro! Rir da infelicidade é quase loucura! De quando em vez sonhava que estava em plena atividade e sobressaltava-se ao acordar e ver que estava sentado no alpendre com grande dificuldade de caminhar!
Os dias passavam! Dois meses se passaram e o pobre carteiro imbuído no seu sonho de ainda estar trabalhando, entregando felicidade e preocupação,  foi perdendo a vontade de viver e de sonhar.  A depressão tomou conta de seu corpo e de sua alma! Todos os dias fechava os olhos com aperto das pálpebras para segurar algumas lágrimas que forçavam saltar  quando o novo carteiro passava. Este  cumprimentava-o, de vez em quando  tomava água e partia. Alguns dias após, entretanto, o  carteiro novo com sorriso aberto, trouxe-lhe a primeira carta no seu velho endereço. O velho carteiro não  se conteve e abriu a carta à frente do amigo! Era uma carta de cumprimentos e um Diploma de Honra ao Mérito pelos 30 anos de trabalho na empresa  para a qual dedicou boa parte de sua vida. Desta vez o aperto dos olhos não foi capaz de segurar as lágrimas que tentavam escorrer pela face! Desta vez, o carteiro chorou...

                                              NELSON JACINTHO
                               CONTO VENCEDOR ABRAMES 2017


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