01/04/2011

MEDO DO ESCURO

É muita coragem...,comentou Antônio dirigindo o olhar para uma mulher de aparência esquálida e postura encurvada.
Mas, Zefa reagiu à provocação. Encarou-o com firmeza e disse: Tenho essa cara assim, de boba, mas coragem é o que não me falta.
No final do dia, recolheu-se solitária ao quarto úmido, sem estilo definido de ambientação. Apenas os móveis necessários para repousar. Uma cômoda antiga era reservada às poucas mudas de roupa e objetos de uso pessoal. Coisas indispensáveis à higiene diária e ao mínimo de indumentária, digna de uma pessoa produtiva. Recostou o dorso no colchão, de consistência duvidosa, e soltou o pensamento.
Sem rédeas, com destino liberado, as ideias foram parar no território da mais tenra infância. Lembrou que muitas vezes, por desafio, enfrentou a escuridão de um quarto, povoada de fantasmas referidos pelos irmãos, pois precisava provar para si mesma que venceria o medo. Medo das sombras que a noite permanente do cômodo escondia. Do contrário não conseguiria mais dormir e, se o fizesse, teria pesadelos tenebrosos. Essa estratégia funcionava como se domasse um animal selvagem e o banisse dos territórios insondáveis onde estão plantadas as raízes do temor. Sentia-se então fortalecida e poderia estender essa condição por alguns dias. O segredo era não deixar quebrar-se o encanto.
Foi assim que aconteceu na noite em que despertou de um sonho e percebeu um vulto se encaminhando na direção do seu leito. Pelos contornos mal definidos, parecia ser masculino, a julgar pela ausência de pernas à mostra e cabelos longos, como era costume as mulheres usarem na época. Balbuciou em voz alta: Papai...? Não ouvindo resposta, fechou novamente os olhos com determinação e só veio a reabri-los na manhã seguinte, quando foi sacudida pela mãe. Estava na hora de ir para a escola. Estudava num colégio público e qualquer deslize seria fatal para a manutenção da vaga, conquistada por mérito. Era inteligente e mantinha uma caderneta sem notas vermelhas.
Essa fórmula mágica de fechar os olhos quando o medo a assaltava, acompanharia seus atos até a maturidade, sendo contabilizada como item de sabedoria que se conquistou.
Os progressos vinham sempre em troca de esforços, embalados pelo sonho de um dia alcançar a liberdade de ser uma mulher independente. Transportou-se para territórios desconhecidos, enfrentou os desafios da cidade grande e venceu. Certa vez, chegaram de mansinho as sombras do passado. Ao atravessar a avenida, corretamente posicionada na faixa de pedestres, ouviu o som de uma buzina atordoante. Os faróis de milha a encandearam. Sentiu tonturas. Fechou os olhos com determinação na esperança de acordar em paz. Ouviu apenas uma voz masculina balbuciando ao seu ouvido: Dorme filha.

Maria de Fátima Calife

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