18/05/2018

NO RÁDIO DO CARRO


por: Sérgio Perazzo
2ª Menção Honrosa no "Prêmio Bernardo de Oliveira Martins" - 2016/2017


Enquanto esperava a morte,
o ônibus passou de luzes apagadas
entre dois postes.
Não sei se azar ou sorte.
Não foi dessa vez,
pensou e repensou
imagens requentadas.

Ser ou não ser passageiro dessa carga,
dessa aventura amarga,
desse sol de condenados,
sentenciados a cumprir
tais desígnios dessa vida,
da vida de todo mundo,
a distrair em vão tais pensamentos
nos corredores dos shoppings,
nas minisséries da televisão,
só para listar o comum
entre mil alternativas
de fundo despistamento,
de maquiagem social,
de cruzamento entrecortado
de mensagens de whatsappes
teclando por si mesmas
neste intervalo, neste intermédio,
qual praga sem vacina
e sem remédio.

Qual semente, ainda por germinar,
germinar o grão
e do grão fazer brotar farinha
e pão.

Florescer a flor de cáctus
apesar dos espinhos, das carcaças,
das queixadas de gado
espalhadas a quatro ventos.
Apesar do cerrado.
Apesar do sertão.

Apesar do deserto,
da nostalgia de mar,
trem da saudade
sem trilho ou dormente.
Apesar da escassa chuva,
do sol inclemente
que tudo resseca
no âmago da anima,
anima mundi,
alma visceral,
terra arrasada,
terra ferida que grita
e que berra,
terra poupada
dos saques
e dos vestígios,
espólios,
de guerra.

Não foi dessa vez,
nem será da próxima
ou da última, talvez,
mesmo porque ainda
falta ouvir e acalentar
um resto de música
no rádio do carro,
como um escarro
preso na garganta,
preso no desprezo
do desapego,
do desafeto,
no malfeito
em que me deito,
tocando pelo avesso
o fundo do peito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos sua atenção. Se possível deixe informações para fazermos contato.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...