03/08/2011

O CAIPIRA NA CIDADE MODERNA

Ele nasceu e foi criado na roça. Foi “descoberto” aos quarenta anos por um primo advogado de Vitória, que gostava de escrever e acabara de publicar um livro sobre a Vida na Cidade Grande. Terminado o primeiro livro partiu à procura de novas idéias para o próximo. A vida no interior seria o tema. Sabedor da origem humilde de seu pai, que nascera no interior do Estado, foi à procura dos parentes.
Expedito, caboclo da roça, como gostava de se auto-intitular, vivia com todas as mordomias que o espaço da fazenda lhe dava e a sua ignorância incentivava. Sua mãe extremosa com o filho único, morrera quando ele tinha apenas oito anos de idade e tudo o que ela lhe ensinara voou com os ventos e as tempestades do clima e da vida que ele teve de enfrentar praticamente sozinho, por causa da quase permanente ausência do pai. Não se casou porque dizia que não queria rabo de saia aumentando a sua sombra. Não tinha nada contra as mulheres, mas achava as esposas dos amigos, chatas e mandonas. Quando o primo o descobriu e concordou plenamente com tudo o que fazia, tornou-se amigo incondicional do primo e não recusou o seu convite para passar alguns dias na capital.
Chegando à capital, o primo começou a ensiná-lo a andar na cidade, que tinha várias câmeras de televisão para vigiar o tráfego, o tráfico e os ladrões.
Olhe, aqui você não pode andar descalço, sem camisa, com a calça arregaçada até os joelhos, não pode fazer xixi em qualquer parede, como lá na roça, não escarrar nem soltar vento no meio da rua, porque as pessoas têm olhos e ouvidos apurados. Além disso, há um sistema de televisão que grava tudo. Se você fizer alguma coisa errada, a televisão, que está vendo tudo, vai chamar a sua atenção. Fez coisa errada, a televisão bronqueia.
Saíram passeando pela rua.
- Olha aquela mulher atravessando a rua no lugar não permitido. Ouça.
“Minha senhora de azul, a senhora está atravessando a rua em local inadequado, é proibido fazer isso.”
- Não falei para você? errou, a televisão reclama.
- Eu não estou acreditando nisso, vou jogar o meu lenço no chão.
“ Senhor, não jogue o lenço no chão, queira pegá-lo, por favor.”
- Que coisa maluca! É verdade!
- Se eu der um pum no meio da rua...
- A televisão vai falar...
Voltaram para a casa do primo. Era domingo. Passaram o dia todo conversando sobre as coisas da roça, o primo, recebendo subsídios para o futuro livro, anotava tudo.
No outro dia de manhã, o primo advogado saiu para o trabalho e deixou as recomendações para que o primo da roça não fizesse muitas besteiras, ele viria pegá-lo para o almoço ao meio dia.
Expedito resolveu dar um passeio pela avenida que havia passado no dia anterior. Logo ao sair na avenida ouviu o alto-falante:
“Motorista do carro de chapa ESP 3434, o senhor cruzou a rua no sinal vermelho e está multado, além disso, perderá sete pontos na carteira.”
Expedito foi andando, andando e num dado momento começou a sentir vontade de urinar. A avenida movimentada com carros e com pessoas a pé, não lhe dava oportunidade de esvaziar a bexiga. Resolveu voltar para casa. A bexiga começou a aumentar de volume rapidamente e tudo seria contornável se ele não começasse a sentir uma coceirinha num lugar...Ah!, que vontade de abrir a braguilha, meter a mão na calça e coçar aquele lugarzinho. Olhou para o alto-falante e ele acabava de chamar a atenção de um moleque que passara correndo na frente dos carros. Tentou conter-se. Foi voltando, a bexiga crescia e aquela coceirinha, aumentando. Disfarçadamente tentou coçar-se com a coxa esquerda, depois, coma a direita, quando viu, estava rebolando. Não gostou dos gestos, empertigou-se, mas aquela coceirinha...Tentou coçá-la com o calcanhar do pé esquerdo, depois, com o do pé direito. Num desses movimentos, acabou por desequilibrar-se e caiu sobre o carrinho de bebê de uma mãe que caminhava ao seu lado. Não sabendo o que fazer, saiu correndo e acabou por bater a testa num poste que estava imediatamente à frente. Antes de ouvir o galo cantar na testa, ouviu o alto-falante:
“Senhor de camisa vermelha-xadrez, o senhor não pode atropelar carrinhos de crianças, sair correndo e tentar derrubar o poste com a testa, se persistir, será preso.”
Expedito, desesperado, atravessou a rua correndo.
“Senhor de camisa vermelha-xadrez, o senhor não pode atravessar a rua nesse local, o senhor vai acabar sendo atropelado por um carro.”
Começou a andar devagar, porque a bexiga abarrotada não lhe permitia andar depressa e, aquela coceirinha que o estava matando, piorou com a transpiração que lhe provocava rios de água pelo rosto, pelo peito e ia passar exatamente naquele lugarzinho infernal. Num gesto de desespero arrancou a camisa e arregaçou as pernas da calça.
“Senhor, por favor, vista a camisa e não mantenha a calça com as pernas dobradas.”
Vestiu a camisa como se estivesse vestindo uma camisa de força e desdobrou as pernas da calça, como se estivesse sendo obrigado a tomar cicuta. Tentou acalmar-se. Continuou a andar, mais devagar, ainda. A bexiga, ah! a bexiga! E aquela coceirinha...Mais alguns passos e começou a ver que a situação era insustentável. Estava ficando louco, se estivesse na fazenda, já havia arrancado a camisa, a calça, a cueca, já tinha feito xixi atrás de uma bananeira e aquela coceirinha naquele lugar já tinha ido para o espaço, pela pontas de suas unhas afiadas. Deu mais uns três, ou quatro passos e não resistiu, enfiou a mão na braguilha da calça e...
“Senhor, tenha modos, o senhor está na no meio da rua.”
Expedito retirou a mão de lá e tentou o impossível, começou a andar novamente. Não conseguiu, as pernas estavam travadas, a bexiga estourando e... aquela coceirinha...Desabotoou a braguilha, desceu a calça, coçou tudo o que tinha vontade de coçar e inundou como um burro, a rua com sua urina.
“Senhor, o senhor poderá ser preso por desacato ao pudor, recomponha-se rapidamente, antes que um policial o veja.”
Expedito estava junto de um muro que tinha um tijolo solto. Ele olhou para o alto-falante e pegou o tijolo.
“Senhor, não destrua o muro, isto é vandalismo...”
Expedito não continuou ouvindo o que o alto-falante iria lhe dizer, atirou o tijolo sobre ele, destruindo-o.
- Agora você não vai mais falar comigo, nem com ninguém, seu desgraçado.
-E o senhor não vai fazer mais arruaças aqui na nossa cidade, seu caipira de uma figa, vai ver o sol nascer quadrado por alguns dias.
Era a polícia que acabara de chegar.
O primo advogado teve de pagar fiança para retirá-lo da prisão. Além disso, teve de arcar com as despesas do conserto do alto-falante. Naquela mesma noite o levou para o seu paraíso, na roça. Ele ficou com o primo por apenas dois dias, gastou algum dinheiro para consertar os estragos dele, mas foi o dinheiro mais bem gasto que gastou em sua vida, conseguiu subsídios para escrever mais dois ou três livros.

Nelson Jacintho

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