02/10/2011

GAROA PAULISTANA

Volto no tempo à minha infância. Desde que havíamos chegado a São Paulo, meus pais e eu morávamos no bairro do Paraíso. São Paulo era uma cidade pacata, bem provinciana e com uma população pequena. Olhávamos ao redor e vislumbravam-se matas, morros verdes e era possível assistir ao nascer e pôr do sol no horizonte. Não havia a poluição de hoje: poucos carros, ônibus e fábricas. Usava-se muito o bonde ou “carro elétrico” como diziam meus pais, ainda com as expressões de sua terra natal. Nas casas, as janelas com floreiras exibiam gerânios, flores que já não se veem mais. Será por causa do clima mudado ou foram passando de moda.
Os roubos, mais comuns eram das roupas penduradas nos quintais e à noite ou da carteira surrupiada espertamente dos bolsos das calças, nos aglomerados pontos de ônibus ou bondes. Prédios altos só havia no centro ou melhor na “cidade”, que era como chamávamos o centro, resquícios dos tempos de província, de quando se vivia nos arredores. Era lá que se ia fazer compras, ao médico ou dentista ou então pagar mensalmente as contas na companhia de gás, de água, ou da luz na Light Era na cidade que ficavam os restaurantes para comer fora, como se dizia antigamente.
Meu pai, engenheiro, trabalhava de dia num escritório de engenharia e à noite dava aulas de português numa escola mantida pela colônia portuguesa – Escolas da Colônia. Poderíamos dizer que era um precursor do Mobral e me lembro de meu pai, contar que Isaurinha Garcia, cantora famosa na época, tinha sido sua aluna, nessa escola.
Mas algo de que me recordo bem é a garoa daquele tempo. A garoa que caía no inverno como um nevoeiro persistente. Trazia muitas gripes e resfriados. Era um problema para as donas de casa quando ela vinha de surpresa à noite e molhava a roupa pendurada nos varais. Para sair era preciso agasalhar-se bem: capas, casacos chapéus, boinas, cachecóis e se possível galochas nos pés.
Minha mãe gostava de ir à reza do mês de Maria, na igreja de Santa Generosa, que não ficava muito longe de casa. Acontecia por todo o mês de maio, às dezenove e trinta, com orações e cantos em louvor a Nossa Senhora. Essa igreja ficava situada em uma praça do mesmo nome, rodeada de jardim. Praça e igreja desapareceram com a construção da Avenida 23 de Maio. Esta, na época trouxe um grande transtorno para muita gente, cujas casas foram desapropriadas. Um preço que se pagou pelas facilidades que trouxe para o trânsito de São Paulo. Essa igreja, derrubada, foi reerguida ali perto, na Avenida Bernardino de Campos. Infeliz mente ficou tão entalada entre construções, que mal se vê.
Minha mãe não tinha com quem me deixar e assim todas as noites de maio, íamos ela e eu para a igreja. Como numa deliciosa aventura, sem medo de sair, de casa à noite, naquele tempo, lá íamos, mas preparadas para enfrentar a célebre garoa paulistana. Era uma chuva muito fina, quase invisível, mas que molhava e muito o chão, os gramados e os poucos carros que existiam. Era uma umidade terrível, mas ao mesmo tempo dava uma sensação de frescor. Eu achava lindo o halo muito brilhante formado de gotículas, ao redor das lâmpadas dos postes de iluminação pública. Era como se fosse uma magia de nuvens muito brancas, iluminando a noite. Os gramados das praças amanheciam molhados e as rosas do nosso jardim tombadas nos galhos, pelo peso da água que caíra durante a noite.
Ao voltar para casa era preciso pôr chapéus, sapatos e guarda chuvas para secar e tomar uma bebida bem quente para afugentar a gripe, perigo ameaçador naquele tempo.
São Paulo cresceu desmesuradamente. O clima mudou e muito. Já não temos mais a célebre garoa paulistana que tão presente naquela época. Porém serviu de inspiração à dupla Tonico e Tinoco, e aos famosos Alvarenga e Ranchinho. Cantores famosos e populares a deixaram marcada no refrão das suas músicas: São Paulo da Garoa.

Maria do Céu Coutinho Louzã
Texto vencedor do Troféu " O Bandeirante" Categoria Prosa
XI Jornada Médico-Literária Paulista 2011

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