25/02/2015

APONTAMENTOS SOBRE UM RITUAL DE DESTRUIÇÃO

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            Desde o início, as certezas mostravam-se imprecisas, como uma paisagem dentro da névoa. Muitas interferências e indefinições. Mas, como a necessidade tem uma cara muito feia, ambos precisavam tentar.

            Em pouco tempo o vínculo se firmou, a jornada a dois começou. “Não deixe o sonho acabar”, ele pediu. Ela não pediu nada, estava bem satisfeita.

            A relação logo se revelou devoradora. Na ebriedade de quem faz tudo por amor, ela mal podia sentir que estava se perdendo de si mesma. Para onde estava se arrastando? A lucidez pode ser tenebrosa nessas horas: sabia que estava dando abrigo a sofismas e a noções irracionais, contrários  à sua criação e crenças.

            Começou a ter medo dele. E  ele notou a possibilidade de perdê-la . A cada briga, a cada tentativa de desvencilhamento, ele a encarava com olhos poderosos. E então vinham as agressões, humilhações, ou uma glacial indiferença. Ela o salvara, mas caíra numa cilada.

            Ele parecia lidar com uma espécie de vazio existencial apegando-se a ela, e a vário  focos de interesse ao mesmo tempo, sucessivamente. Inveja, intolerância, ciúmes... ela foi se afastando de todos, de mãos atadas, vendo o lento desmoronamento de seu mundo. Mas, para ela, ele valia a pena: um homem muito bonito, muito forte e muito bom. Apesar de egocêntrico, controlador e autoritário, e de não ser um provedor, nem material nem afetivamente falando. E de ser uma pessoa irascível, infeliz, atormentada pelo  passado.

            A proximidade física só piorava as coisas. Não havia intimidade, cumplicidade, coisas próprias de um casal. Ele sadicamente negava o que ela mais precisava. Então brigavam, infantilmente, com gritos e palavras ferinas, atribuindo culpas um ao outro. Depois ficavam distantes, como dois estranhos, em meio ao indizível.

            A união poderia ter sido um bom repouso para dois bons guerreiros. Mas ele não se ocupava em guerrear pelo que era importante, mas sim por pequenas coisas: fluxo de trânsito, jogos, circunstancialidades.  Como na fala do Sr. Spock, num dos episódios de “Star Treck”, havia uma verdadeira “predileção por irrelevâncias”. Ocupava-se de coisas da casa, limpeza, reparos, mas negligenciava o próprio trabalho, que ia se acumulando.

            Claro que havia momentos bons. Ele a ajudava, a acompanhava. Dava-lhe alguma atenção, porém raramente, milimetricamente, como que dosando o limite para que ela não desmoronasse de vez. Ela tinha consciência de vivia em transe, como se ele fosse a sua droga. Ele estava sempre tão  perto, e tão longe! Queria acreditar que ele mudaria, que o que eles tinham era bom e justo, que um dia choveria a cântaros no deserto. Mas o mau humor e as grosserias dele acabavam por deixá-la doente. Foi parando de rir, ela que havia sido sempre tão alegre. Sentiu na propria pele que tristeza pode matar com a saúde perfeita.

            Um relacionamento assim é como um ritual de destruição. Pois, à medida  em que um vai acabando com a vida do outro, acaba com a própria vida também. É um jogo aniquilador, que não tem vencedor.

            Como essa história acabou não sei. Espero que, apesar do naufrágio, eles tenham divisado algo na linha do horizonte. E, que, finalmente, possam estar pisando em terra firme.

 
 ALITTA GUIMARÃES COSTA REIS

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