Desde
o início, as certezas mostravam-se imprecisas, como uma paisagem dentro da
névoa. Muitas interferências e indefinições. Mas, como a necessidade tem uma
cara muito feia, ambos precisavam tentar.
Em
pouco tempo o vínculo se firmou, a jornada a dois começou. “Não deixe o sonho
acabar”, ele pediu. Ela não pediu nada, estava bem satisfeita.
A
relação logo se revelou devoradora. Na ebriedade de quem faz tudo por amor, ela
mal podia sentir que estava se perdendo de si mesma. Para onde estava se
arrastando? A lucidez pode ser tenebrosa nessas horas: sabia que estava dando
abrigo a sofismas e a noções irracionais, contrários à sua criação e crenças.
Começou
a ter medo dele. E ele notou a
possibilidade de perdê-la . A cada briga, a cada tentativa de desvencilhamento,
ele a encarava com olhos poderosos. E então vinham as agressões, humilhações,
ou uma glacial indiferença. Ela o salvara, mas caíra numa cilada.
Ele
parecia lidar com uma espécie de vazio existencial apegando-se a ela, e a vário
focos de interesse ao mesmo tempo,
sucessivamente. Inveja, intolerância, ciúmes... ela foi se afastando de todos,
de mãos atadas, vendo o lento desmoronamento de seu mundo. Mas, para ela, ele
valia a pena: um homem muito bonito, muito forte e muito bom. Apesar de
egocêntrico, controlador e autoritário, e de não ser um provedor, nem material
nem afetivamente falando. E de ser uma pessoa irascível, infeliz, atormentada
pelo passado.
A
proximidade física só piorava as coisas. Não havia intimidade, cumplicidade,
coisas próprias de um casal. Ele sadicamente negava o que ela mais precisava.
Então brigavam, infantilmente, com gritos e palavras ferinas, atribuindo culpas
um ao outro. Depois ficavam distantes, como dois estranhos, em meio ao
indizível.
A
união poderia ter sido um bom repouso para dois bons guerreiros. Mas ele não se
ocupava em guerrear pelo que era importante, mas sim por pequenas coisas: fluxo
de trânsito, jogos, circunstancialidades. Como na fala do Sr. Spock, num dos episódios
de “Star Treck”, havia uma verdadeira “predileção por irrelevâncias”.
Ocupava-se de coisas da casa, limpeza, reparos, mas negligenciava o próprio
trabalho, que ia se acumulando.
Claro
que havia momentos bons. Ele a ajudava, a acompanhava. Dava-lhe alguma atenção,
porém raramente, milimetricamente, como que dosando o limite para que ela não
desmoronasse de vez. Ela tinha consciência de vivia em transe, como se ele
fosse a sua droga. Ele estava sempre tão perto, e tão longe! Queria acreditar que ele
mudaria, que o que eles tinham era bom e justo, que um dia choveria a cântaros
no deserto. Mas o mau humor e as grosserias dele acabavam por deixá-la doente.
Foi parando de rir, ela que havia sido sempre tão alegre. Sentiu na propria
pele que tristeza pode matar com a saúde perfeita.
Um
relacionamento assim é como um ritual de destruição. Pois, à medida em que um vai acabando com a vida do outro,
acaba com a própria vida também. É um jogo aniquilador, que não tem vencedor.
Como
essa história acabou não sei. Espero que, apesar do naufrágio, eles tenham
divisado algo na linha do horizonte. E, que, finalmente, possam estar pisando
em terra firme.
ALITTA GUIMARÃES COSTA REIS
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