Na hora que a casa acalma,
que o abajur se acende,
que a mesa se põe,
que a cama se arruma,
na hora que a noite se instala
como um cão de guarda,
que o silêncio é todo ouvidos
quando a casa se acalma
em todos os sentidos
e o relógio madruga
às doze, às duas, à uma,
um fantasma,
um espectro,
um vulto,
um aspecto,
um espelho,
um gesto,
uma alma penada
janta de farda cáqui
no meio da sala,
comensal sem companhia,
no mais fundo desapego,
carrasco de capuz preto
apertando o nó e a corda
no pescoço roxo do enforcado,
aparição que se afasta
do ponto morto da encruzilhada
cheia de mistério e medo.
Na hora que a casa acalma
a asa da coruja empala
a fresta e o vinco da vidraça,
num clarão desaparece
o contorno de todos os males,
de todos os fantasmas,
monstros, aparições, rascunhos,
apenas sombras benfazejas,
anjos, duendes, fadas,
inocentes, alienadas,
ilusões da noite
inofensivas, chamuscadas
dos terrores mais secretos,
apenas vento, apenas sustos efêmeros,
apenas delírios amenos,
teatro de absurdos,
de gestos obscenos,
pingos de chuva dissolvidos
na lágrima pura do sereno
enxotando a alma desgarrada,
empapando o lenço de cambraia
bem na hora não marcada
que, enfim, a casa acalma.
SÉRGIO PERAZZO
Poema extraído do
livro "O Quintal de Joaquina"
lançado em 12 de
abril de 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos sua atenção. Se possível deixe informações para fazermos contato.