Despertou cedo e olhou ao redor. O quarto pequeno, paredes claras com uma barra escura a toda volta. Duas camas, um armário antigo de uma só porta, que um tanto empenada rangia ao ser fechada; uma pia e uma mesa pequena e duas cadeiras... Seu companheiro de quarto ainda dormia. Durante a noite acordara várias vezes lembrando o que o médico dissera: “talvez amanhã já possa ir embora. Vamos ver o resultado dos exames”.
Ali estava em compasso de espera. À espera da volta, do tempo que faltava ou talvez do fim... Sentia-se bem e ansioso para retornar à sua casa. Embora vivendo só, depois de dois casamentos sem filhos, achava que não havia nada melhor do que o seu canto.
Abriu a janela devagar para não acordar o outro paciente. O céu azul, sem nuvens, deixava ver o sol despontando brilhante e feliz por iluminar mais um dia que deveria ser agradável. Uma bruma clara que aos poucos ia se desfazendo jogava um ar um tanto frio no seu rosto. Rosto marcado pelas rugas que denunciavam o tempo que já havia passado.
Em frente da janela podia ver uma cerca de plantas verdes, porém o que lhe chamou a atenção: as flores azuis de uma trepadeira que se enleava pelos galhos da cerca.
Lembrou da sua infância. São Paulo provinciana e tão simpática. Podia-se andar por vários bairros e sempre se avistava o fim da cidade, com as silhuetas dos morros verdes à sua volta. A cidade terminava logo ali, diferente de hoje, quando parece não ter fim.
Mas aquelas flores azuis... traziam lembranças. Em criança morava num bairro perto do centro, mas sua casa dava de frente para um morro, com mato, árvores, mas onde hoje só há casas construídas.
Como só se ia para a escola aos sete anos, a criançada passava o dia brincando, subindo e descendo aquele morro, ou correndo atrás de uma bola feita de meia velha, recheada de jornais.
Às vezes eram interrompidas as brincadeiras pelos gritos das mães, que desesperadas pediam que fossem até à vendinha da esquina buscar alguma coisa que faltava em casa ou para varrer a calçada ou para que fossem tomar banho para o jantar. Nunca ficavam cansados. A energia parecia que brotava quanto mais exercícios faziam, mas quando iam para a cama à noite um sono pesado os derrubava antes de por a cabeça no travesseiro.
Mas aquelas flores azuis... quantas não havia destruído como alvo de seu estilingue. Moleques faziam competição para ver quem acertava mais. As plantas cresciam se enleando pelas árvores e enfeitavam o mato do morro. Eram como pequenas campânulas azuis, que ao cair da tarde, despedindo-se da luz do dia, como se fora um encantamento, fechavam a corola. Só tornavam a abrir quando o dia clareasse.
Levara muitos pitos de sua mãe, indignada por fazerem tais estragos nas flores, que ela chamava campainhas ou glórias da manhã. E agora ali estavam à sua frente, tão azuis como antigamente, com sua corola aberta, cumprimentando o raiar do dia e trazendo de volta momentos da sua infância, que tinham sido tão bons mas tão efêmeros e já estavam muito longe no passado.
O abrir súbito da porta e o semblante alegre do médico despertou-o dos seus sonhos com a tão esperada notícia:
- Já pode ir embora. Parabéns! Está tudo bem com seus exames!
Maria do Céu Coutinho Louzã
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