O primeiro cavalo era o que trazia a cauda toda ensopada de orvalho. Do terceiro em diante, só insetos, restos de dia, pedaços escuros da noite e sons de puns de dragões.
Para ela, presa a uma cadeira de rodas, era uma alegria ouvir o barulho da cavalgada, e mais ainda, adivinhar a ordem de chegada de ada um deles, pelo tropel. Quando era menorzinha caíra feio da bicicleta
e machucou muito a coluna vertebral. Desde então não andava mais. Quatro anos, dos oito que possuía. Acostumara-se a ser colocada próxima à janela e observar quase que diariamente a passagem dos cavalos. Quando eles não vinham, distraía-se observando o voar dos anuns lá no milharal, ou então quedava-se a escutar a conversa animada dos espantalhos medrosos da chuva, reclamando do sol e xingando as joaninhas que lhe causavam cócegas nas pernas.
Por isso quando o primeiro cavalo parou para conversar com ela, animou-se muito. Fez amizade e deu-lhe restos de bolo de milho que comera no café da manhã. Depois apresentou-o aos anuns e mais tarde aos espantalhos.
Uma tarde quase foram pegos jogando baralho e apostando pétalas de girassóis.
Hoje não amanhecera bem. Não conseguia comer e tinha febre.
De noitinha foi com surpresa que sentiu vontade de esperar os cavalos na frente da casa. Tentou com esforço levantar e conseguiu . Suas pernas haviam ficado leves. Foi como se flutuasse até o terreiro.
Escutou o tropel. Eles já estavam chegando quando caiu da cadeira de rodas. Escutou o choro dos que ficaram dentro de casa. a que chorava mais alto era sua mãe.
Nem se importou. E nem se importou também com os gritos dos anuns: “Lá vai ela! Lá vai ela!” Nem com os acenos dos espantalhos.
Montou no primeiro cavalo e sairam cavalgando. Podia ser que fosse longe, mas parecia tão azul...
Luiz Jorge Ferreira
Vencedor do Prêmio Flerts Nebó - Melhor prosa 2006/2007
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Sempre fui um fã do surrealismo de Luiz Jorge. Ele tem o poder da magia sobre as palavras que o obedecem submissas para depois encantar quem le suas histórias.
ResponderExcluirGrande Luiz!
Marcos Salun