21/03/2011

A ÚLTIMA RAINHA DA FRANÇA

Nascida na Áustria como Maria Antônia, uma linda jovem sonhava com o príncipe en-cantado. Seus desejos foram parcialmente realizados ao se casar com Luis XVI e se tornar Ma-ria Antonieta, rainha da França. Um casamento difícil que a ostentação luxuosa da corte tentou compensar.
Adorada por uns, odiada por outros, todos os anais da História registram seu trágico fim.
Em uma noite de segunda-feira, Maria Antonieta se prepara para os minutos mais im-pactantes de sua vida. Seu coração bate mais forte ao ver a multidão eufórica. Nunca pensou que fosse vivenciar um momento como esse. Seus passos, inicialmente trêmulos, se firmam para a grande distância que necessita percorrer. Respira fundo, ergue a cabeça... Com a coluna ereta, assume a postura que todos esperam de uma grande heroína.
Ela transpira, com um misto de calor e emoção. A chuva dá uma trégua, mas todo o seu ser se comove em total turbilhão. O tempo parece parar por um instante. E uma cena se projeta em sua mente: a menina simples, de família numerosa e que, ingênua, acreditava que poderia ser feliz para sempre.
Ao perceber que poucos metros a separam do seu final, Maria Antonieta não consegue conter uma lágrima.
“Para onde vão os sonhos que já foram realizados?”
Ao ultrapassar a linha de chegada da Marquês de Sapucaí, Maria Antonieta continua a cantar o samba-enredo “João e Marias”, pois falta muito para que sua Escola, Imperatriz Leo-poldinense, complete o desfile.
Mas sua voz se cala ao ouvir o povo da arquibancada gritar:
— É campeã! É campeã! É campeã!
A passista abraça suas companheiras de Ala e retira a desconfortável e pomposa peruca branca. Maria Antonieta, então, se despede, deixando na Dispersão, uma saudade.
Maria Antonieta agora é simplesmente a Maria, uma bonita carioca de Ramos.
Maria sabe que precisa descansar, pois logo pela manhã precisará retornar ao trabalho. Mas ela não quer sair daqui. Descalça as sandálias de salto alto que, de tão apertadas, provoca-ram várias bolhas nos pés. Mas ela nem liga para a dor. O ritmo contagiante das últimas Escolas de Samba realimenta sua alma e apenas um pingado com pão e manteiga haveria de cumprir a função de restabelecer suas energias.
Nessa manhã de terça-feira, Maria despe-se do vestido exuberante e o troca por um uni-forme de gari. Olha as arquibancadas totalmente vazias, mas seus ouvidos ainda captam o som das magníficas baterias.
Maria pega a vassoura e começa a varrer o chão. Ainda tem ânimo para sambar, imitan-do uma porta-bandeira.
“Quem sabe em algum outro Carnaval...”
A Avenida, porém, é imensa... Há muito por limpar e Maria finalmente se entrega à rea-lidade.
Uma pluma azul cravejada de pedras brilhantes repousa sob a luz do Sol e Maria rapi-damente a pega para guardar de lembrança. Restos de fantasia do desfile da Beija-Flor que, com a fantástica Macapaba, conquistaria o título do Carnaval 2008.
Maria segue o seu destino com coragem e determinação. Cumpre seu trabalho sem saber que o futuro lhe reserva uma perda irreparável: a morte de seu filho caçula, atingido por uma bala perdida ao brincar em frente à sua casa.
Maria quase sucumbirá ao sofrimento atroz, uma provação que nenhuma mãe mereceria passar. Mas, com espírito de guerreira, ela haverá de seguir em frente. E, no Carnaval seguinte, com certeza, estará lutando com a sua Imperatriz para “mostrar que faz samba também”. Ela aparecerá com um vestido esvoaçante verde e branco e sambará, graciosa, representando sua própria gente, na tão empolgante Avenida, passarela das mais tênues ilusões.

Márcia Etelli Coelho

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