- Opa! O que o senhor está fazendo aqui?
- Eu é que pergunto, afinal a casa é minha! Qual o motivo da sua presença, vestido de Papai Noel, quebrando a vidraça e interrompendo o meu sono? Ainda faltam cinco dias para o Natal!
- Peço desculpas! Não é minha intenção...
- Então, qual é? Entrar na casa dos outros é crime!
- O senhor tem razão, mas, eu não sou ladrão. Estou procurando...
- Procurando o que?
- Uma boneca que vira os olhos e fala “papai e mamãe” e também um trenzinho elétrico para dar aos meus filhos.
- Então, porque não foi procurar numa loja de brinquedos?
- Aí é que está o problema... Não tenho dinheiro, estou desempregado.
- Qual é a sua profissão?
- Coveiro.
- Puxa que bela profissão!
- A minha mulher quer que eu mude... Por falar nela, eu gostaria de presenteá-la com um relógio de pulso, mas, é tudo tão caro... O senhor pode me ajudar, mesmo que seja um empréstimo? Um dia, eu prometo pagar.
- Que piada! Como posso acreditar em você? Entra em minha casa, quebra uma vidraça, vestido de Papai Noel... Afinal, porque escolheu esta casa?
- Nesta região, só dá gente muito rica. Escolhi a sua casa por ser muito bonita!
- Demonstra bom gosto!
- Que adianta ter bom gosto sem dinheiro? Desempregado como estou... Não encontro outro emprego...
- Isto é verdade... O grande escritor italiano Giovanni Papini disse que “o dinheiro é o estrume do diabo”. Ninguém vive sem ele...
- Por favor, o que quer dizer estrume? Eu só tenho o primário.
- Ah! Estrume significa bosta, merda.
- Agora, sim entendi! O senhor fala muito difícil...
- Bem...Vamos pular esta parte. Qual é o seu nome?
- Dimas.
- Que coincidência! O mesmo nome do bom ladrão que foi crucificado com Jesus Cristo, de acordo com os evangelhos.
- Ele deve estar no Paraíso! Enquanto eu estou na Terra, ou melhor, no Bexiga, tentando conseguir uns brinquedos...
- De qualquer maneira, é melhor do que ser crucificado. Mudando de assunto: você está com fome?
- Muita!
- Então vamos até a cozinha, Apague a sua lanterna.
Na cozinha.
- Olhando o seu rosto ...Você é jovem. Precisa fazer a barba!
- Mas, Papai-Noel tem barba branca e comprida!
- Onde conseguiu esta roupa?
- Num brechó. O senhor está sozinho?
- A minha filha e o meu genro foram a um baile. São moços. Devem aproveitar a vida, enquanto ela sorri.
- Isto é verdade... Velho só fala em doenças, remédios e morte. Não sei se é o seu caso...
- Sou médico aposentado, já com os pés na eternidade. Por força da minha profissão, fiz da minha vida um rosário, um cordão de contas, alegrias e sofrimentos mesclados, sem explicação. Enquanto isso, ela, a morte, sempre a espreita... Você entende bem isso: é coveiro. Afinal, porque está desempregado?
- Sorte sua que é médico! É duro suportar um coveiro chefe, briguento, implicante e mandão. Um chato! Tão chato, que até os mortos perdem a vontade de serem enterrados!
- Nossa! Gostei de sua explicação. Bem original! De qualquer forma, cada Ser tem neste mundo um destino...
- É verdade! O meu é de ser um Papai-Noel de saco vazio.
- O extraordinário, meu amigo, é saber que num saco pequeno e vazio podem morar os sonhos, as ilusões, a felicidade...
- Principalmente para os meus filhos! Por este motivo, não posso decepcioná-los e estou aqui, conversando com o doutor.
- Não é necessário o título, só o nome: Jorge. A partir de hoje, somos amigos. Você conseguiu afastar de mim a minha inimiga, a solidão. Velho só vive assoprando as cinzas do passado. E elas só trazem sofrimento.
- Mas isto não leva nada... Tudo acaba na terra... Nisto tenho bastante experiência.
- Você tem medo da morte?
- Não! Ela me ajuda a ganhar o pão.
- Bem, visto deste ângulo, você tem razão! Você é um verdadeiro sábio!
- Que exagero! Eu sou um simples coveiro, atualmente desempregado, com o firme propósito de levar sonhos, naturalmente, dependendo de sua colaboração! Não vai lhe fazer falta alguns brinquedos...
- Um dia, no futuro bem distante, sem pressa, quando eu bater os “borzeguins” e, por acaso, você for o coveiro...
- Ah, eu o enterrarei, com muito prazer! Considerando a nossa amizade...
- Gostei da sua franqueza e solidariedade! Estou profundamente impressionado!
- E disposto a me ajudar?
- Sim! O que lhe falta, eu tenho aqui encaixotado, sem uso, mofando.
-Então, eu vou lhe fazer um favor...
- Exatamente! Que faça proveito! E, para completar, darei um relógio de pulso que pertenceu à minha falecida esposa. Estará melhor no pulso de sua amada. Por favor saia pela porta da frente, para não quebrar outra vidraça. Apareça sempre! Só não quero vê-lo no cemitério!
Lá fora, uma intensa neblina cobria o Morro dos Ingleses. O passo cadenciado do guarda da rua... Ao vê-lo
- Boa noite, Papai Noel!
- Boa noite! Feliz Natal para você sua família!
Com um ligeiro aceno, Papai-Noel sumiu na densa bruma.
RODOLPHO CIVILE
Segunda Menção Honrosa
Prêmio Flerts Nebó 2012-2013
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