24/10/2011

ESMERALDA, CARTOMANTE E QUIROMANTE

A título de esclarecimento: escrevo para preencher a minha velhice. Sou médico. Exerci por muito tempo a minha profissão no bairro do Bexiga, na época bairro dos calabreses, sede da premiada escola de samba Vai-Vai...
Um dia, já faz algum tempo, posso dizer, nas brumas do passado, fui chamado a atender um paciente, que morava na Rua Rui Barbosa. Entrei num cortiço, uma verdadeira mini-cidade. Do lado esquerdo, havia espaço para entrada de carroça. O chão de paralelepípedos, sujos de excrementos. Do lado direito, em seqüência, inúmeras portinholas. Numa delas, uma placa de cerâmica branca com os dizeres:

ESMERALDA CARTOMANTE – QUIROMANTE

No fundo do cortiço, um tanque coletivo.
Fui recebido por uma mulher de meia-idade, altura mediana, cabelos presos em forma de birote. Sorriu, mostrando um incisivo de ouro. Vestia uma indumentária bem colorida. Rosto oval, sem rugas. Olhos grandes e negros. Voz clara, “macia”. Gentilmente, pediu para não reparar no ambiente. Casa de pobre...
- Doutor, pedi para chamá-lo... Meu marido está muito doente. Tudo o que come, vomita... Está emagrecendo... Não consegue ficar de pé e nem trabalhar... Estou muito preocupada com ele...
- Vamos vê-lo!
A dona da casa abriu uma cortina. Entrei num cubículo estreito, mal cheiroso. Nele, uma cama, uma colcha velha e um homem deitado. Numa reentrância do quarto, uma privada.
- O que está havendo com o senhor? – perguntei.
- Não consigo mais comer... - respondeu.
- Há quanto tempo está assim?
- Não sei... Faz muito tempo... Sou alcoólatra. Já passei por consulta médica.
- E qual foi o diagnóstico?
- Cirrose hepática.
- Parou de beber?
- Não, não consigo... Não presto para mais nada... É melhor morrer...
- Não deve falar assim... Com um bom tratamento pode ficar bom! Vou examiná-lo, depois darei algumas recomendações. A medicina vai ajudá-lo, mas o mais importante é o espírito de luta! Não esqueça: querer é poder!
- Que Deus o ouça, Doutor! Que Deus o ouça!
Ao examiná-lo, fiquei impressionado com o estado deplorável do paciente. Minha obrigação como médico é oferecer ao meu semelhante, orientação, conforto, atenção e carinho. Foi o que fiz, ou tentei fazer...
A dona da casa ofereceu-me um café. Constrangida, falou:
- Doutor, não posso pagar a sua consulta, mas faço questão de tirar a sua sorte!
- Será que vale a pena? – brinquei.
- Ah, sim! As cartas e as palmas das mãos dizem muito sobre o seu destino!
- Então, não custa tentar... – abri a mão.
- Doutor! A linha da vida sugere longevidade, com uma interrupção, talvez doença grave. Agora, a linha do amor... È irregular a princípio, mas depois, fica firme e profunda.
- O que significa?
- Um grande amor! Vamos, agora, às cartas...
Tirou de uma bolsa um baralho e o espalhou na mesa, com as figuras voltadas para baixo.
- O doutor terá uma vida longa, mas cheia de dificuldades, problemas...
- Deve ser o exercício da medicina! – brinquei. Está coincidindo com a mão...
- Não é só a profissão... As cartas dizem que ficará rico e famoso. Fará muitas viagens e vai parar, durante certo tempo, em um lugar exótico...
- Já parei! Aqui no Bexiga! Puxa! Tudo isto parece excelente! Não vejo as dificuldades e problemas que a senhora falou há pouco...
- Vamos ver outras cartas... Hum! Hum! Na sua vida, não faltam mulheres!
- Ah, isto é verdade! Sou ginecologista...
- A próxima carta... – insistiu a vidente - um curinga! Vida atribulada. Outra... Ás de copas! Finalmente, encontrará a paz! A última, uma dama de copas... Um grande amor!
- Que “vidaça”, Dona Esmeralda!
Saí do cortiço, alegre e feliz! Perdi na consulta, mas ganhei na sorte!

Rodolpho Civile

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