21/11/2011

NOVO SENTIDO PARA UM MUNDO VELHO

Era para mim um grupo novo, de cuja aproximação eu costumava fugir, por mero preconceito. É terrível julgar-se por antecipação, sem se dar chance ao conhecer os fatos, com maior grau de profundidade. Fui me chegando devagar e deparei-me com a esperança irradiando do lugar mais improvável. Cerca de mil pessoas idosas, algumas portando bengalas, para viabilizar uma locomoção claudicante, com um largo sorriso na face. Vinham dos mais variados rincões do país com destino a Cuiabá-MT. Marcavam presença num congresso brasileiro, programado para a terceira idade, contemplando o novo paradigma: O Brasil é um país que deixou para trás o censo predominante de habitantes jovens.
A determinação de viver com qualidade predomina, a despeito do grau crescente de dificuldade, para a locomoção. A bengala, terceiro membro inferior, cada vez mais sofisticado, cumpre bem sua função de apoio. Superar as falhas de memória é um desafio que se vence com incentivo e obstinação, ingredientes dominantes no grupo. Os desfiles em passarela contaram com representantes de diversos estados do norte ao sul do país. Encantaram pela desenvoltura dos hexa, hepta e octogenários concorrentes aos títulos bienais de Mister e Miss Brasil. São Paulo e Mato Grosso foram os vencedores. Pernambuco conquistou terceiro lugar na categoria Mister e segundo na de Miss. Os banquetes dançantes deixaram saudades. Ninguém permaneceu sentado enquanto os dançarinos contratados estiveram circulando em busca dos pares que foram gentilmente conduzidos ao salão. As gêmeas, nonagenárias do Piauí, não perderam uma só festa. Deleite total!
Entre uma balada e outra, a programação turística superou expectativas. A idéia era desbravar o Cerrado, a Chapada dos Guimarães, o Pantanal mato-grossense e coroar a seqüência de passeios em territórios áridos com uma visita à reserva florestal, para usufruir dos banhos em águas correntes vindas de fontes termais, entre trinta e oito e quarenta e dois graus.
Durante o percurso de ônibus, na direção da Chapada dos Guimarães, a guia turística nos passou algumas informações históricas e também outras pitorescas, divertindo e saciando a curiosidade daqueles que não desistiram de atualizar-se com vistas a ampliar o grau de sabedoria já armazenado ao longo da jornada de vida percorrida. Soubemos que Cuiabá foi fundada em 1719, pelo bandeirante Pachoal Moreira Cabral que ultrapassou a linha demarcadora do tratado de Tordesilhas e encontrou ouro, ampliando o território dominado pelos portugueses. Até os dias atuais o garimpo acontece ali, de modo ilegal.
Para cada origem do nome de uma cidade, há várias versões, sendo uma que contempla o colonizador e outra, o índio nativo. Guimarães, por exemplo, é nome de uma cidade portuguesa, daí a homenagem através da chapada homônima. Ainda no perímetro urbano, da janela do ônibus, avistamos um jardim botânico chamado Parque Mãe Bonifácia que faz alusão à história de uma escrava curandeira que fugiu e se embrenhou na mata com idade já avançada. Imaginaram que ela não sobreviveria e deixaram de caçá-la. Daí, ela fundou um quilombo no qual acolhia escravos fugitivos, tratando seus males através de plantas medicinais, ou seja, com rudimentos da fitoterapia.
O Estado do Mato-Grosso deve seu nome aos troncos de árvores abundantes que fazem parte da Amazônia. A divisão do estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em 1979, contemplou interesses políticos e segundo a guia turística, deixou um ranço de rivalidade que perdura. Um fato pitoresco é que na entrada de Cuiabá existe uma escultura do Marechal Rondon com os braços elevados, em disposição muito curiosa. Os cuiabanos divulgam a interpretação da pose como se, com um dos braços ele saudasse os visitantes de Cuiabá e com o outro exibisse um gesto hostil para Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul!
Outras curiosidades nos divertiram minimizando o imenso calor de trinta e cinco graus à sombra que era tido como ameno, pelos habitantes da região. Expressões cotidianas provocavam o riso, tais como o apelido do celular que é “caixinha de cochichar”. Dizem os cuiabanos que é costume durante os velórios chegar um momento em que alguém da família diz: “Quem beijou, beijou, quem não beijou, não beija mais, fecha caixão”.
Finalmente, chegamos à chapada. Há uma crença de que circula um grande potencial de energia, no topo do planalto. A vista é vertiginosa. Batemos fotografias e cumprimos o ritual de erguer os braços, para nos refestelar com as carícias dos ventos, emissários benfazejos. Uma pena que no dia seguinte, ao da nossa visita, foi divulgado pela imprensa local um acidente fatal que levou a óbito um jovem de vinte e seis anos o qual, no intuito de melhor fotografar, desceu cem metros abaixo do barranco e despencou sem possibilidade de resgate. O ministério da justiça a partir desse dia propôs a interdição do local para visitas turísticas.
Bem, agora vamos falar do Pantanal, o mais instigante dos pontos visitados. Apesar da estrada de acesso ser muito acidentada e seca, nessa época do ano, foi surpreendente ver, bem ao alcance dos braços, a fauna típica da região. Particularmente, o que mais me deixou encantada foi o pássaro–símbolo: O Tuiuiú. É uma ave tricolor, de grande porte, que voa alto e não é canora. Emite ruído apenas com o abrir e fechar de um enorme bico preto. Parece ser aparentado do pelicano e da cegonha. Ele faz uma relação de comensalismo com uns periquitos cedendo o “andar inferior” do ninho, em troca da função de sentinelas. Enquanto o casal busca alimentos para os filhotes, os periquitos ficam atentos, como guardiões, e anunciam, com estardalhaço, a aproximação do predador. Os Tuiuiús andam sempre aos pares, praticantes que são da monogamia. A moradia dos pais passa para os filhos, quando um dos parceiros morre.
Enfim, chegamos à pousada de apoio, para almoço e merecido descanso, com direito ao passeio de barco, no rio Pixaim povoado de jacarés. Alguns componentes da excursão acharam que a emoção foi discreta, pasmem! Olhando para cima nos deparávamos com uma passarada deslumbrante. Aves canoras de todos os tipos em revoada, ou empoleiradas nos galhos dos Ipês floridos. Vez por outra, um atento gavião-carcará pousava a poucos passos de nós. No passeio de barco, parada estratégica, para o timoneiro exibir sua intimidade com o jacaré que atendia pelo nome de Dragão. Tive receio de que o barco virasse, vez que curiosos, todos se curvaram para um mesmo lado. Cuidei de ser o contrapeso inclinando-me para o lado oposto. Com essa atitude perdi a cena de suspense na qual o condutor alimentava o jacaré, na mão. Mais adiante, paramos de navegar, ancorando noutra margem. Enquanto observávamos capivaras displicentes, outra surpresa: O timoneiro chamou a toda voz por Tafarel e Taísa. Um casal de Tuiuiús atendeu prontamente, surgindo no meio do cerrado para, na margem do rio, abocanhar peixes lançados pelo barqueiro, com golpes de bicos rápidos e certeiros. Que bonito de se ver!
De volta ao Recife, senti-me satisfeita e saudosa da companhia alegre dos participantes desse novo mundo que até então eu desconhecia: ABCMI (Associação Brasileira dos Clubes da Melhor Idade) e suas federadas. Achei por bem registrar essa memória seguindo a essa altura um preceito valioso, o de ajudar o cérebro a organizar boas lembranças para assim melhor conservá-las.

Maria de Fátima Calife
Segundo Lugar no Concurso Literário Categoria Prosa - Jornada Sobrames Maranhão 2011

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