19/01/2012

DOMINGOS DELASCIO - UMA ESCOLA DE OBSTETRÍCIA

1913-1991

Domingos Delascio nasceu na cidade de São Paulo, em 5 de maio de 1913. De origem humilde, mas com grande vocação para ser médico, graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 1936. Dedicou-se à ginecologia e obstetrícia por influência do professor Raul Carlos Briquet.
Por questões políticas Delascio não galgou a cátedra de obstetrícia da escola onde havia estudado. Logo após a morte do professor Raul Briquet, as cadeiras de ginecologia e obstetrícia foram fundidas para, mais tarde, tornarem-se separadas, seguindo interesses dissimulados, medidas que afastaram suas chances e sua presença da “Casa de Arnaldo”. Aliás, sua tese sobre “Toxoplasmose” já estava praticamente pronta para o concurso.
Domingos Delascio foi professor de clínica obstétrica da Escola Paulista de Medicina (EPM), hoje, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de 1967 a 1983. Lecionou também na Faculdade de Medicina de Botucatu; Faculdade de Medicina do ABC; Faculdade de Medicina de Mogi das Cruzes; e da Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Esta escola, sob a égide da Fundação Lusíada, foi enriquecida com o Hospital Guilherme Álvaro Santos da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Nesse hospital, Domingos Delascio instalou a maternidade com 36 leitos e o serviço de pré-natal, possibilitando aos alunos do 4o e 5o ano aprendizado intenso da prática obstétrica.
Delascio participou ativamente de vários congressos. Foi conferencista e proferiu diversos discursos. Entre suas máximas têm-se: “A medicina, na graduação, aprende-se nos livros clássicos”; “A criança nasce apesar do médico”; e “O câncer do ovário é a ‘besta negra’ da ginecologia”.
Domingos Delascio foi paraninfo das turmas de 1967, 1968, 1969, 1970 da Escola Paulista de Medicina, e da turma de 1977 da Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Foi também patrono das turmas de 1977, 1978, 1979, 1981, 1982, 1983 da Escola Paulista de Medicina, e patrono das turmas da Faculdade de Ciências Médicas de
Santos de 1978 e 1979. Essas diversas escolhas por parte de várias turmas de pupilos não somente testemunham o quanto ele era querido e admirado por diferentes grupos de formandos, mas também o quanto contribuiu ao ensino de seus alunos.
Eis alguns excertos de discursos que Delascio fez a seus doutorandos, os quais ilustram um pouco de seu pensamento e de sua personalidade:
Aos formandos de 1967 da EPM: “(...). Para que possais avaliar minha sinceridade e emoção, basta vos dizer que, escolhendo-me vosso paraninfo, possivelmente, jovens como sois, nem imaginais o quanto me comovestes. Sou eu o premiado maior neste momento. Humildemente recebo de vossos corações e vossa bondade a recompensa por sacrifícios tão árduos, tanta luta, tantos estudos e trabalho e tanta teimosia.
(...). Nada justifica, portanto, o descuido, a pressa, nem o desencanto, a mágoa, a revolta do médico quando se defronta com o doente. Nada‚ maior que a saúde e a vida. Nada. Então, se vos parecer rude o que vou dizer, perdoai-me. Mas haveis de dar-me razão, agora ou mais tarde. Ao médico não são permitidos meios termos. A Medicina é para ser exercida ou abandonada. (...). A saúde e a vida não aceitam discussões, nem consentem com querelas sociais, políticas, econômico-financeiras... por mais justas e tentadoras que aparentem ser. A saúde e a vida são mais sérias e mais graves. Lutar por elas é dever inalienável do médico. Negligenciá-las é baixeza, desumanidade, ignomínia, crime.
(...) Honrai vosso diploma! Enriquecei vosso espírito com a mais formosa cultura e sentimentos! Enobrecei vossa alma com os dotes mais sublimes! Dignificai vossa carreira magnífica! Ide! Sede felizes! Deus vos abençoe!”
Aos formandos de 1977 da Faculdade de Ciências Médicas de Santos: “(...). Os que conhecem sabem da minha vida exclusivamente dedicada à Medicina. Sabem que todos os dias, de manhã e… noite, minha única preocupação‚ a clínica, o estudo e o ensino. A qualquer hora, meus alunos e meus colegas podem contar comigo para o debate dos problemas comuns de nossa profissão. Meus livros, meus trabalhos, minha experiência estão sempre ao alcance irrestrito de meus companheiros. Transmito a todos tudo que sei ou que vou aprendendo. Esforço-me ao máximo para motivar os que me cercam e conduzi-los no mesmo caminho meu. Mas isso é minha vida, minha alegria, minha felicidade!
(...). Só há duas atitudes compatíveis com a profissão médica frente aos percalços, sacrifícios e estafa: reunir forças e continuar, ou abaixar a cabeça e desistir.
(...). Reuni, portanto, vossas forças todas e lutai sempre pela dignidade, pela nobreza, pela maravilhosa missão que hoje tendes o privilégio de receber. Honrai-a exemplarmente.
(...). A Faculdade de Ciências Médicas de Santos quer ser digna, quer se nobre pela dignidade e pela nobreza de seus filhos. Estudai, pois. Trabalhai, pois. Pela Medicina. Por vós. Pela vossa Escola. Nunca vos esqueçais disso. Recebei nosso abraço e nossos fervorosos votos de felicidade. Ide com Deus.”
Duílio Crispim Farina, ginecologista e obstetra, patrono da cadeira no 78 da Academia de Medicina de São Paulo, assim se referiu a Domingos Delascio: “Infatigável no estudo e no ensino; conhecedor de toda a literatura médica pertinente; perora nas aulas com lições precisas, completas e minudentes, sem perder o objetivismo da mensagem que, entusiasmado, vibrante, comunica ao círculo dos ouvintes.”
“Senhor também de uma erudição sem lindes, não só dos clássicos da obstetrícia e ginecologia, como da evolução permanente dos trabalhos e publicações de todos os centros da América, da velha Europa e de continentes vários.”
“Pesquisa, assimila e acultura, sempre em proveitos dos discípulos e exorna com sua palavra candente a entusiasmar os que ouvem e leem com proveito e não menor prazer e encantamento. Uma vida inteira e um labor sem pausas, dedicados à especialidade que o seduziu, fazem-no em nosso meio científico modelo de lidador sem peias, sempre voltado para o aperfeiçoamento da ciência de Baudeloque, Mauriceau e Fernando Magalhães.”
Domingos Delascio foi presidente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Associação Paulista de Medicina e diretor clínico da Casa Maternal e da Infância “Dona Leonor Mendes de Barros” da Legião Brasileira de Assistência, notável escola de ginecologia e obstetrícia de São Paulo. Pertenceu à Academia de Medicina de São Paulo, sendo membro titular desse sodalício por 35 anos.
Formou centenas de discípulos que aprenderam e se embeveceram com sua vasta cultura médica. Possuía, em sua residência, uma grande biblioteca e assinava todas as revistas de ginecologia e obstetrícia. Foi um estudioso abnegado e um apaixonado pelo ensino. Proporcionava reuniões científicas onde discutia casos clínicos e registrava com esmero observações raras da prática clínica. Após o falecimento do professor Raul Carlos Briquet passou a publicar revisões atualizadas de dois livros desse seu mestre: “Obstetrícia Normal” e “Obstetrícia Operatória”.
No ano de 1976, na condição de quartoanista concursado, fiz estágio durante um ano na Casa Maternal e da Infância “Dona Leonor Mendes de Barros”, ocasião em que o professor Domingos Delascio era o diretor. Lembro-me nitidamente de suas visitas à enfermaria e das discussões de casos que fazia em idade provecta com seus assistentes, residentes e acadêmicos. Encantava a todos com sua cultura enciclopédica concernente à medicina e, mui particularmente, à obstetrícia e ginecologia. Citava com agilidade autores, artigos, nomes de periódicos e datas, correlacionando-os facilmente com os casos apresentados. Estudava obsessivamente e era muito respeitado por todos. Era rígido em suas opiniões e, por vezes, ríspido em suas respostas, chegando às raias de ser pouco polido com um ou outro de seus assistentes perante todos que acompanhavam seu séquito durante as visitas. Contudo, era inegável sua capacidade, seu conhecimento, sua dedicação e seu amor à medicina.
José Olympio Senna, que fora pediatra e neonatólogo da Casa Maternal e da Infância, sintetizou num soneto o perfil de um dos maiores nomes da ginecologia e obstetrícia brasileira.

Domingos Delascio

Vive entre livros – tentadora sina,
embora os preços em corrida altista...
e passa desta àquela disciplina
como obstetra e ginecologista.

Limitando os encargos, hoje ensina
na Casa Maternal e na Paulista,
onde lá o batismo em prática doutrina
de um elemento novo – o quartoanista.

Seu alvo principal: servir à ciência
e ao magistério, graças à experiência
que obteve em São Paulo e outras cidades.

Nessa missão, cumprida sem receio
não foi por certo apenas “um passeio”
ser titular em cinco Faculdades.

Domingos Delascio publicou diversos artigos e trabalhos concernentes à sua especialidade. Dentre os livros que publicou salientam-se: Obstetrícia Normal Briquet (em coautoria com Antonio Guariento – 2a edição em 1970 e 3a edição em 1981); Propedêutica na Gestação de Alto Risco (em coautoria com Pedro Augusto Marcondes de Almeida, 1974); Anóxia Perinatal (1975); Síndromes Hemorrágicas da Gestação (1977); Toxemia Aguda da Gravidez (1977); Obstetrícia Operatória Briquet (em coautoria com Antonio Guariento – 2a edição em 1979); Hipertensão na Gravidez (em coautoria com Dib El-Kadre, 1983); Obstetrícia, Ginecologia, Neonatologia (em coautoria com Antonio Guariento, 1984); Diabetes e Gravidez (em coautoria com Ana Maria B. Oliveira e Luiz Camano, 1984); e Cardiopatia e Gravidez (em coautoria com Antonio Carlos Lopes, 1986).
Domingos Delascio faceleu em São Paulo, sua cidade natal, no dia 10 de fevereiro de 1991, contando com 77 anos.
É honrado post-mortem com a patronímica da cadeira no 57 da augusta Academia de Medicina de São Paulo; dá nome à Casa de Saúde da Mulher do Departamento de Saúde Fetal e Violência Sexual, e a um anfiteatro do Hospital São Paulo da Unifesp; a uma praça pública no bairro Jardim Paulista e a um posto da Unidade Básica de Saúde no bairro de Vila Bertioga (alto da Mooca) da cidade de São Paulo; assim como a um prêmio no Painel de Obstetrícia do Congresso da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo (Sogesp).

Helio Begliomini

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