08/12/2013

CONSULTAS INESQUECÍVEIS

Quem não tem um episódio para contar sobre o que ocorre entre as quatro paredes de um consultório?

Recém saído da faculdade, eu dava plantão num Pronto Socorro público. Apesar de sempre haver pessoas de um nível razoável para atender, a maioria da população era composta por gente bastante simples. Certo dia, atendi uma mãe carregando uma criança nua sentada em seu braço, que teria pouco mais de um ano de idade. Ao perguntar a ela o que acontecia, virou o nenê de nádegas expostas para mim, que estava sentado à mesa do consultório e o nenê soltou uma bela explosão, inundando de fezes líquidas meu rosto, óculos e roupa. O diagnóstico estava feito. Noutra oportunidade, ao indagar de uma senhora o que ela tinha, a mesma respondeu que estava ali para eu dizer o que ela tinha, afinal de contas quem era o médico? Não houve jeito de fazê-la entender que sem contar-me sua história, não conseguiria fazer um diagnóstico. Foi necessário chamar sua acompanhante, que ficara na ante-sala, para esclarecer o mal-entendido e prosseguir com a consulta.

Já mais tarimbado, atendia funcionários de uma companhia de ônibus num plantão de domingo. O colega que fui substituir costumava facilitar a vida dos motoristas e cobradores que, folgando aos sábados, vinham buscar um atestado médico para emendar o domingo. Não achando isso correto, comecei a recusar o afastamento desses funcionários, sem que houvesse causa que justificasse. A maioria aceitava — depois fiquei sabendo que procurava um hospital e lá obtinha o atestado —, mas um dia, um paciente, inconformado com minha recusa de lhe fornecer o atestado, tornou-se agressivo e me disse que estava com uma arma apontada para mim, escondida sob o jornal que carregava na mão. Não deu tempo nem dele terminar sua frase de ameaça, pois joguei a mesa do consultório em cima dele e lá ficou ele prostrado. Naquele tempo eu fumava e havia um pesado cinzeiro de vidro na mesa que peguei para me defender. Não foi necessário; ele estava desarmado. O fato foi comunicado à sua empresa e ele foi demitido por justa causa.

Quantos fatos mais não foram observados no Ambulatório de Ortopedia. Por exemplo, o paciente referiu que torcera o cotovelo. Ao examiná-lo, nada encontrei e vi que ele me olhava como se eu fosse maluco. Aí apontou para o tornozelo e me disse que o local machucado era o “cotovelo do pé”! Outra vez, um paciente caiu sobre o ombro e me disse que estava com dor na “naxila”. Isso, sem se referir a passagens mais picantes:

Certa feita, uma jovem queixou-se de dor nas costas. Antes que pudesse solicitar para se despir parcialmente e usar a camisola apropriada, foi tirando toda a roupa, inclusive as peças íntimas e com a maior naturalidade do mundo. Senti-me constrangido, mas, para não deixá-la assim também, examinei-a com naturalidade e pedi que se vestisse de novo. Porém, na saída, ela fez uma cara de sapeca e me perguntou se eu não tinha apreciado a carne! Fiz-me de desentendido. Em total oposição à situação anterior, recebi uma paciente que sofrera uma pancada na coxa. Veio para a consulta com uma saia justa e curtíssima. Na tentativa de examiná-la, já deitada, pois machucara a parte superior da coxa, fez um drama para manter a saia puxada para baixo, imagino que para não mostrar a calcinha. Ficou difícil para mim e, para eu não ficar de saia justa, fui obrigado a dizer-lhe, elegantemente, que precisaria tirar a saia para poder examiná-la direito. Ofereci-lhe um lençol. Que nada! Na mesma hora, arrancou a saia, fez uma cara de vítima e cobriu o rosto com a mão. Rapidamente, completei o exame, fui sentar à mesa do consultório e pedi que se vestisse.

Lembro-me bem de uma ocasião quando eu era diretor clínico de um hospital e tive de substituir um dos médicos que iria chegar atrasado. Um jovem aparentando boa saúde se queixava de dor de garganta. Examinei-o e nada encontrei, porém fiz-lhe uma receita. Ao sair, pediu que lhe atestasse o dia, que recusei fazer. Mais tarde, recebi telefonema da delegacia do bairro, dizendo que um paciente estava querendo registrar uma queixa de omissão de socorro contra o hospital e o delegado queria me comunicar o fato por ser o diretor. Ao perceber que se tratava do mesmo rapaz que eu atendera, pedi para revistá-lo e a receita foi encontrada. O delegado pediu mil desculpas e disse que iria dar um belo susto no rapaz por falsa acusação. Serviu de lição para jamais deixar de fornecer uma receita no primeiro atendimento a um paciente. Além do médico se resguardar, o paciente normalmente sente que a consulta foi incompleta sem ter uma receita na mão.

São algumas das dificuldades no atendimento médico. Já se foram os dias em que permanecia uma enfermeira dentro do consultório, junto ao médico, para salvá-lo de circunstâncias parecidas às relatadas. Precisamos ser extremamente cautelosos e, mais ainda, recorrer ao bom senso e ao humor, dependendo da delicadeza da situação.

WALTER WHITTON HARRIS
 

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