Recém saído da faculdade, eu dava plantão num
Pronto Socorro público. Apesar de sempre haver pessoas de um nível razoável
para atender, a maioria da população era composta por gente bastante simples.
Certo dia, atendi uma mãe carregando uma criança nua sentada em seu braço, que
teria pouco mais de um ano de idade. Ao perguntar a ela o que acontecia, virou
o nenê de nádegas expostas para mim, que estava sentado à mesa do consultório e
o nenê soltou uma bela explosão, inundando de fezes líquidas meu rosto, óculos
e roupa. O diagnóstico estava feito. Noutra oportunidade, ao indagar de uma
senhora o que ela tinha, a mesma respondeu que estava ali para eu dizer o que
ela tinha, afinal de contas quem era o médico? Não houve jeito de fazê-la
entender que sem contar-me sua história, não conseguiria fazer um diagnóstico.
Foi necessário chamar sua acompanhante, que ficara na ante-sala, para
esclarecer o mal-entendido e prosseguir com a consulta.
Já mais tarimbado, atendia funcionários de uma
companhia de ônibus num plantão de domingo. O colega que fui substituir
costumava facilitar a vida dos motoristas e cobradores que, folgando aos
sábados, vinham buscar um atestado médico para emendar o domingo. Não achando
isso correto, comecei a recusar o afastamento desses funcionários, sem que
houvesse causa que justificasse. A maioria aceitava — depois fiquei sabendo que
procurava um hospital e lá obtinha o atestado —, mas um dia, um paciente,
inconformado com minha recusa de lhe fornecer o atestado, tornou-se agressivo e
me disse que estava com uma arma apontada para mim, escondida sob o jornal que
carregava na mão. Não deu tempo nem dele terminar sua frase de ameaça, pois
joguei a mesa do consultório em cima dele e lá ficou ele prostrado. Naquele
tempo eu fumava e havia um pesado cinzeiro de vidro na mesa que peguei para me
defender. Não foi necessário; ele estava desarmado. O fato foi comunicado à sua
empresa e ele foi demitido por justa causa.
Quantos fatos mais não foram
observados no Ambulatório de Ortopedia. Por exemplo, o paciente referiu que
torcera o cotovelo. Ao examiná-lo, nada encontrei e vi que ele me olhava como
se eu fosse maluco. Aí apontou para o tornozelo e me disse que o local
machucado era o “cotovelo do pé”! Outra vez, um paciente caiu sobre o ombro e
me disse que estava com dor na “naxila”. Isso, sem se referir a passagens mais
picantes:
Certa feita, uma jovem queixou-se de dor nas
costas. Antes que pudesse solicitar para se despir parcialmente e usar a
camisola apropriada, foi tirando toda a roupa, inclusive as peças íntimas e com
a maior naturalidade do mundo. Senti-me constrangido, mas, para não deixá-la
assim também, examinei-a com naturalidade e pedi que se vestisse de novo.
Porém, na saída, ela fez uma cara de sapeca e me perguntou se eu não tinha
apreciado a carne! Fiz-me de desentendido. Em total oposição à situação
anterior, recebi uma paciente que sofrera uma pancada na coxa. Veio para a
consulta com uma saia justa e curtíssima. Na tentativa de examiná-la, já
deitada, pois machucara a parte superior da coxa, fez um drama para manter a
saia puxada para baixo, imagino que para não mostrar a calcinha. Ficou difícil
para mim e, para eu não ficar de saia justa, fui obrigado a dizer-lhe,
elegantemente, que precisaria tirar a saia para poder examiná-la direito.
Ofereci-lhe um lençol. Que nada! Na mesma hora, arrancou a saia, fez uma cara
de vítima e cobriu o rosto com a mão. Rapidamente, completei o exame, fui
sentar à mesa do consultório e pedi que se vestisse.
Lembro-me bem de uma ocasião quando eu era
diretor clínico de um hospital e tive de substituir um dos médicos que iria
chegar atrasado. Um jovem aparentando boa saúde se queixava de dor de garganta.
Examinei-o e nada encontrei, porém fiz-lhe uma receita. Ao sair, pediu que lhe
atestasse o dia, que recusei fazer. Mais tarde, recebi telefonema da delegacia
do bairro, dizendo que um paciente estava querendo registrar uma queixa de
omissão de socorro contra o hospital e o delegado queria me comunicar o fato
por ser o diretor. Ao perceber que se tratava do mesmo rapaz que eu atendera,
pedi para revistá-lo e a receita foi encontrada. O delegado pediu mil desculpas
e disse que iria dar um belo susto no rapaz por falsa acusação. Serviu de lição
para jamais deixar de fornecer uma receita no primeiro atendimento a um
paciente. Além do médico se resguardar, o paciente normalmente sente que a
consulta foi incompleta sem ter uma receita na mão.
São algumas das dificuldades no atendimento
médico. Já se foram os dias em que permanecia uma enfermeira dentro do
consultório, junto ao médico, para salvá-lo de circunstâncias parecidas às
relatadas. Precisamos ser extremamente cautelosos e, mais ainda, recorrer ao
bom senso e ao humor, dependendo da delicadeza da situação.
WALTER WHITTON HARRIS
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