30/11/2019

MINHA PRIMEIRA VISÃO DE MUNDO


por:  Juarez Moraes de Avelar

Quando nasci, a humanidade já sofria há três anos as terríveis atrocidades da II Guerra Mundial, período dos mais sangrentos de sua história. Naquela época, os meios de comunicação eram rudimentares, precários e lentos. Quando a notícia de um episódio sangrento chegava até o povo, outros de maior gravidade já haviam acontecido. Com efeito, as informações de que se dispunha nunca refletiam a situação do momento.

Contudo, a notícia do fim da Guerra, em agosto de 1945, com a assinatura da rendição japonesa aos americanos, foi recebida por todos com alívio. Portanto, três anos após minha chegada ao mundo, o anúncio do fim das hostilidades bélicas repercutiu rapida-mente em todos os cantos do país.

Quando me esforço para acessar informações sobre minha vida precoce, deparo-me com alguns episódios marcantes. A II Guerra Mundial é um deles com as páginas de tristeza e sofrimento. Entretanto, o primeiro registro armazenado em minha memória é a maravilhosa imagem de minha mãe grávida, com o meu irmão caçula, Jozimar, em seu volumoso ventre, quando eu ainda tinha três anos de idade. Minha saudosa mãe era dotada de boa estatura física, pele clara, olhos castanhos, cabelos não muito longos, que alcançavam os ombros; trajava vestes alvas, longas, abaixo dos joelhos, em que sobressaía o abdome proeminente. Em minha visão infantil, ela apenas parecia mais “gorda” que as demais pessoas. 

Contudo, certo dia, para surpresa minha e de meus irmãos, ela entrou em casa sem a aparência opulenta. Nos braços, trazia um bebê envolvido em uma coberta branca com detalhes azuis. Poucos dias antes daquele memorável episódio, eu havia completado quatro anos, e me lembro de nossa alegria com o nascimento do quinto filho de meus pais. Assim, em nossa família, éramos sete: papai, mamãe e nós, cinco irmãos.

Ainda cedo foi embalada por sonhos de futuro. Cada um de nós sempre demonstrou desejo de estudar e concluir cursos uni-versitários. Para meus pais, tais desejos ensejavam elucidativas conversas sobre atividades como Engenharia, Medicina, Direito, Pedagogia, Economia, Veterinária e Agronomia, que eram as profissões disponíveis aos jovens interessados na universidade. Essas profissões eram temas de debate, e nós, crianças, anunciávamos que escolheríamos esta ou aquela faculdade. No meu caso, ainda precocemente, cada vez mais se acentuava o desejo de tornar-me médico.

Enquanto meus irmãos mais velhos frequentavam o grupo escolar, eu, em razão da pouca idade, ficava em casa em companhia de mamãe, no desempenho das obrigações domésticas. Assim, desde minha infância já me identifiquei com o trabalho, razão pela qual sempre envidei esforços para realizar as tarefas com dedicação e empenho. Essa convivência com mamãe despertou em mim a curiosidade pela fita métrica, instrumento valioso para o trabalho exercido por meus pais. 

Inicialmente aprendi a ler os números da fita; em seguida, memorizei sua sequência, e depois aprendi a dobrá-la para obter a soma de suas metades e entender o significado da multiplicação. O mesmo ocorreu com as operações de divisão e subtração. Coisas elementares, mas para um garoto de cinco anos, fora do ambiente escolar, tais descobertas eram semelhantes à mágica. Minha curiosidade e o desejo de ajudar mamãe levaram-me a tentar algumas anotações, sendo alfabetizado por ela. Que alegria rememorar aqueles momentos de aprendizado, de descobertas tão importantes em minha vida!

Meu vínculo formal com a escola começou aos oito anos de idade e, graças às aulas de minha mãe, pude ingressar no segundo ano do curso primário (hoje chamado Ensino Fundamental). Com alegria, em companhia de Jomázio e Maria Helena, que carinhosamente chamava de Ena, apelido que se mantém até hoje, punha-me a caminho do grupo escolar. Durante o curto trajeto invadia-me um turbilhão de sentimentos, uma incrível sensação de felicidade, ao constatar que frequentar a escola era o passaporte que me levaria, um dia, a cursar uma Faculdade de Medicina, desde que me empenhasse para isso.

Como foi bom ser embalado por sonhos! O caloroso ambiente familiar era orquestrado por meus pais, que não mediam esforços para alimentar nossos sonhos infantis. Eles nos fizeram entender que para alcançar nossos projetos de vida era necessária dedicação aos estudos. Assim, fomos orientados a encontrar nas salas de aula e nos livros as respostas para nossas inquietudes na busca de conhecimento. No meu caso em especial, percebi que estudar com afinco era etapa indispensável para realizar o sonho de ser médico. 

Felizmente, após mais de seis décadas, posso constatar que meus objetivos foram alcançados. Melhor ainda é vivenciar a concretização de sonhos trans-formados em realidade pelo meu trabalho, um veículo para levar uma mensagem de fé a meus semelhantes que necessitam de meus conhe-cimentos, habilidade manual e arte para realizar a transformação física e psicológica de que necessitam.
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