O aluno de pós-graduação dissertava sobre alterações psíquicas da aids-doença. Entre elas, arrolou na transparência “esquecimento”. Veio-me à lembrança - lembrança, antonímico de esquecimento - um caso que nada tinha a ver com aids.
Num hospital de emergência do litoral sul de São Paulo, instalado para atender as vítimas da arboencefalite epidêmica, em 1975 (tema de tese de docência-livre do A.) um jovem com encefalite, estudante de aviação, imergira em profunda letargia. O sono patológico do moço durou por mais de uma semana, quando, então, passou a despertar gradativamente. Entreabriu os olhos, olhar de espanto! De nada se lembrava, não sabia dizer o que acontecera, achava tudo estranho; se ali estava, por quê?! Quando lhe foi oferecido o desjejum - café com leite mais um pão -, hesitou, tateando para pegar o pão. Porque em vez de um pão passou a enxergar três pães, três em vez de um! E mais, descrevia as três imagens: uma ao lado; outra acima (uma de lateralização, outra de superposição; qual a real?).
Entrou em sobressaldo! Seria assim para o resto da vida? Se passasse a visualizar três pistas de aterrisagem, como faria ao pilotar o “Paulistinha’?!
O fenômeno, o último descrito fora de diplopia? De triplopia? (Com certeza não se tratava do milagre dos pães nem de “tripolação”). Os sintomas vieram em progressão, mas em antecedência ao distúrbio neuroóptico, assinalara a perda da lembrança, a denominada amnésia.
Volto ao pós-graduando que expunha sobre aids. Imprópria, a denominação (esquecimento)? Não de todo. Sucede que “esquecimento” está presente no nosso dia-a-dia. Lapsos não traduzem, de imediato, a manifestação mórbida. Proposição feita ao aluno: seria mais adequado que a menção fosse substituída por “alteração da memória, redução da memória”. Do latim memoria, e do grego mneme, a palavra integra numeroso vocabulário.
Muitas virão ao encontro do pesquisador científico durante seu amadurecimento acadêmico: memorial, imemorial, memorável, memorando, memorizar, memorização, comemorar, comemoração, rememorar... Juntada ao verbo latino, forma imperativa memento, “lembrate”, do qual um composto fornece-nos reminiscência e daí ao grego mnemonia, “que se lembra”, de onde: mnemônico; amnésia (a = privação), perda da memória (do estudante de pilotagem). A raiz latina parece encontrar-se na palavra mentem, espírito (aparentada ao inglês mind faculdade de pensar), de onde mental, mentalidade, demente, demência.
A mentem juntam-se ainda: menção, de onde mencionar, mentir, desmentir, mentor, comentador, comentário. E não pára por aí. Até anistia, anistiar filiam-se à memória.
Curiosamente, o médico é o exemplo de profissional propenso ao esquecimento dos compromissos corriqueiros. Razão por que carrega sua agenda de bolso. Mas sobre a casuística - do seu exercício clínico - , têm a memória de elefante! E daquele cliente caloteiro que deixou de pagar o tratamento, nem se fala!.
Arary da Cruz Tiriba
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