É Carnaval! Estrugem os tambores. O batuque profundo e ensurdecedor reverbera nos corpos suados dos foliões. A cadência é comandada pelos gestos nervosos e o apito do mestre do Maracatu. As variações do batuque magnetizam a multidão aglomerada nos passeios e mesinhas da Rua dos Judeus, próxima ao Marco Zero de Recife, onde estou em companhia de dois irmãos.
Numa mesa, à nossa frente, uma família. Ele, homem troncudo e barbudo, parece um viking. Duas filhas adolescentes, magrinhas, serelepes. A mulher, figura desgastada e aborrecida, sentada na cadeira oposta a do marido. O homem olha, fixamente, uma loura escultural, um pouco gorda, que rebola languidamente, ao som dos tamborins, sob os olhares atentos de dois rapazes que lhe fazem companhia. A mulher, de olhar severo, policia o marido que aparenta uma indiferença que não existe.
Duas mesas adiante, à minha esquerda, vejo uma morena alta, bem proporcionada, voluptuosa, com short curto vermelho, pondo à mostra suas coxas torneadas. Seu companheiro, um velho com bengala, chapéu de palha com a aba frontal dobrada, tendo estampada, entre lantejoulas e purpurina, a bandeira de Pernambuco. Veste calção e camisa regata. Olhar absorto, figura um tanto ridícula, mostra-se indiferente à alegria que contagia a todos. Uma de suas mãos repousa tranquilamente, entre as coxas da mulher, enquanto degusta uma dose de whisky.
A batucada atinge o ápice, com todos os instrumentos de percussão tocando simultaneamente. É contagiante.
A cadência eletriza a multidão, que se põe a gingar. A morena, como que atingida por um raio, sobe numa cadeira iniciando um rebolado frenético, sensual, libidinoso. Os seios parecem saltar da blusa semi-aberta. As sandálias douradas faíscam com os movimentos nervosos dos pés.
É uma mulher plena de desejo, exposta. Exibe-se. Sabe o fascínio que exerce. Nossos olhares se cruzam. Vejo seus olhos brilhando de desejo. A dança torna-se inebriante. Seu corpo se contorce de forma estranha. Observo extasiado. Até que enfim, exausta, senta-se sorridente. Recompõe os cabelos revoltos, com os dedos. Sutilmente, esboça um sorriso. Correspondo com o olhar, rindo da desfaçatez. Fita-me dissimulada, enquanto o velho paga a conta, levanta-se com dificuldade e retira-se. Trocamos um último olhar e a vejo desaparecer, sedutora, no meio da multidão.
Em seguida, saímos do local e, ao passar pela mesa onde ela se encontrava, vejo, sobre o tampo de mármore, entre confetes e serpentinas, um boné carnavalesco de papelão, com um nome e número de telefone.
Wladimir do Carmo Porto
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