Durante a solenidade de minha formatura,1950, Escola Paulista de Medicina, o Prof. Luiz Pereira Barretto Neto me convenceu a trabalhar, como médico interno [residente], no Hospital de Isolamento “Emilio Ribas”, sob sua Diretoria.
De um dia pro outro, eu me transferi da Santa Casa de Misericórdia, onde atuava como Acadêmico Interno, para o novo campo de trabalho.
Ali, apenas dois antigos médicos, o próprio Prof. Pereira Barretto, mais o Dr. Otávio Martins de Toledo - Diretor e sub-Diretor -, constituíam o corpo clínico! Apenas dois! Para dia e noite! Ao me apresentar ao Dr. Otávio - afinal passaríamos a conviver sob teto comum -, ele me fez sentar à varanda do “Pavilhão Classe”.
– Tiriba, recomendações: 1ª. médico não deve conquistar enfermeira; 2ª. não deve receber presentes de parentes de pacientes; recuse-os, estamos aqui para servir! [e citava o exemplo pessoal... à esquina próxima o empório “Minas Gerais”, nome da mesma rua, servia, às necessidades imediatas do E.R. que não precisassem entrar em concorrência pública. Ao final do ano, o Empório enviava a caixa de vinho. Otavio agradecia, mas a devolvia]; 3ª. se tiver alguma dificuldade em traqueostomias durante a noite, poupe o Barretto, chame a mim.
Mergulhei no trabalho. À época, garrotilho devastador! O crupe diftérico! Episódio de alta dramaticidade! Em pouco tempo, apto para a traqueostomia de urgência, ato cirúrgico requerente de urgência e ultrarrapidez para a ressurreição! Numa das primeiras ações, a menina pobrezinha. O pai - família numerosa -, emocionado, cheio de gratidão, não sabia como agradecer pela filhinha. Ao raiar da manhã seguinte, procedeu do Caxingui [remoto, o Caxingui, anos 50!], carroça puxada a cavalo, subindo penosamente a Rebouças [Rebouças não asfaltada, ainda de terra] me ofertar o mimo... latão de leite! 30... 50 litros... sei lá!
– Dr. Otavio, ganhei um latão de leite! De longe, área rural. Devolvo?
Otavio adorava doce, não resistia à gula. Imediatamente:
– Mande pra cozinha. Doce de leite pr´as enfermeiras [sim, enfermeiras...].
Na aparência, era seco, o que era pouco. Mão de vaca!!! Quando ia à Piracicaba - sua terra -, o admirável caipirão
levava flores compradas na Dr. Arnaldo, para as irmãs. Eu lhe dava carona até a Rodoviária da Júlio Prestes.
– Tiriba, não pare junto às floristas, estacione antes; se me virem descer de automóvel vão cobrar mais caro...
Mas sob a rigidez, extremamente simples o solteirão! À sobremesa, comia o pedaço de pão.
– Tiriba, você já reparou como é saboroso, o pão!
[Pão... não lhe parece, leitor, algo evangélico... ligação remota do homem contemporâneo com um tal de J.C. de outros tempos?! Não se sabe.]
Cirurgião vascular, durante seu concurso para livre-docência no Serviço do Alípio, no H.C., eu media sua pressão.
Quando teve infarto, fui alçado a barbeiro particular e único. Como cabeleireiro, aprendizado imediato, cabeça rosada,
do Otávio, mais lisa que a “bola seis”!
Durante seu repouso, só então pude perceber como Jairo Ramos, que ia assisti-lo no Emilio Ribas, também, ele, Jairo, integrava a espécie humana [para grande parte, só transparecia sua grosseria. Jairo tratava bem até a mim, recepcionista, barbeiro, enfermeiro e ex-aluno. Particularidade - de Jairo -,lamentava-se porque os alunos não o cumprimentavam! Mas se era tão autocrático! O incomparável propedeuta!].
Ao ver o coche fúnebre transportar o irmão mais velho, do “Emilio Ribas” para Piracicaba, azaleias, do formoso parque, irrigadas com soluções - quentes, salinas, oculares -, artesanato do autor... [Pereira Barretto injustamente afastado pelo histriônico Jânio Quadros.] Saudade... misturada com a responsabilidade, repentina, de assumir a direção temporária do Hospital, moço que eu era. Figuras humanas de permeio aos 60 de exercício da medicina.
Arary da Cruz Tiriba
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