A SOBRAMES-SP parabeniza o DR.Arary da Cruz Tiriba que irá ocupar o cargo de Diretor Cultural na Academia de Medicina de São Paulo, biênio 2011-2012.
Segue um relato emocionante, escrito por ele...
Aos cinco anos de formado jovem médico, já era reconhecida a minha experiência em doenças transmissíveis. Pudera! Trabalhara até então como Residente do Hospital de Isolamento Emílio Ribas. Por isso, o secretário de Saúde do Governo do estado, Professor Walter Sidney Pereira Leser, convocou-me para a tarefa: investigar as ocorrências supostas de febre tifóide originadas em Praia Grande, baixada Paulista. Os pacientes, pouco mais da dezena, estavam concentrados na Santa Casa de Misericórdia de Santos.
Assumi o encargo com entusiasmo. Não era pra menos. Nascido em Santos, no bairro pobre de Macuco, atuara intensamente na Santa Casa local, durante as férias da Escola Paulista de Medicina. Atuara, então, como praticante de enfermagem, procedendo aos curativos na enfermaria de cirurgia e terminara pela clínica médica. Era oportunidade, portanto, de retornar à casa própria; desta vez, para esclarecer sobre a situação preocupante.
Senti a importância de descer a Serra do Mar na viatura oficial e ser recebido como autoridade técnica da Capital. Vaidades de moço...
De pronto, fui conduzido à Unidade que tão bem conhecia. Ouvi, examinei, um a um, os doentes. Convenci-me, não se tratava de febre tifóide; tudo não passava de tremenda reação vacinal. A injeção – da vacina antitifóide – provocara inflamação local, desconforto, febre e nada mais. Por fim, sou conduzido ao último paciente sob suspeita no quarto compartilhado por dois homens. Um dos leitos era ocupado por um velho; alguém que não integrava a série. Barba branca por cortar, cabelos encanecidos sem vitalidade. Ruinoso em sua senectude. Decrépito... igual a tantos outros.
Sem desviar a atenção concentrei-me, nos minutos seguintes, no homem da Praia Grande: tempo gasto para interrogatório, exame físico e análise dos testes laboratoriais. Não percebi que o outro – o senil – acompanhara minha ação junto ao seu vizinho.
Encerrada a missão, já me retirava quando o velho sentenciou:
– O senhor é o Dr. A... C... T...?
Completa, a nomeada!
Surpreso, voltei-me para ele. Caquético, o estado. Amarelo-palha, a coloração. Sem brilho, o olhar. Atribui-lhe os setenta, em confronto com os meus trinta. Confirmei, intrigadíssimo: “Sim. Sou o DR. T..., mas como o senhor sabe?
Até hoje, fico a imaginar a crueldade da contra-pergunta: “Como o senhor sabe?”...
– Porque sou – continuou R... A... C..., o senhor se lembra de mim? Tenho carcinomatose generalizada, já estou desenganado.
Claro, como poderia esquecer o companheiro da meninice, competidor dos nossos campeonatos de futebol de botão, disputado no porão da velha casa do Macuco. Três ou quatro anos mais moço do que eu!...
Mudo, posei a mão na fronte do amigo querido.
Das faces de ambos os caiçaras (as criaturas do mar) verteram pérolas: mornas, salinas... dos olhos os sussurros liquefeitos. Mensagens, a expressar o rasgo da infância, dois fadários, um, com o adestramento para os confrontos com a morte, outro, com o lacre da capitulação terminal. Sem palavras, embargadas que foram por soluços disfarçados.
Parti. À chegada, à Misericórdia de Santos, fora, eu, o moço vitorioso. À saída, nada mais que o coração destroçado.
Qual efeito do reconhecimento? Até hoje – ultrapassam, já, quarenta invernos – sinto dificuldades para contar o episódio aos discípulos. Antes de chegar ao fim da história, se me embarga a fala e embacia a visão. Mas ao entrar na enfermaria, tenha dois, quatro, seis leitos – sozinho ou acompanhado pelos meus alunos – , detenho o olhar em cada um dos pacientes; cumprimento-os, perguntando-lhes, antes que àquele que me cabe examinar: “Como vai?”
Assim, o paciente do leito vizinho sentirá menos o alheamento, a indiferença, do homem do avental branco.
Arary da Cruz Tiriba
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