Ela deveria estar acostumada com aquela rotina que ano após ano tornava-o tão previsível e tão diferente. Caloroso e morno nos dias de sol, no inverno se arrebatava com mergulhos loucos na sua intimidade, voracidade de quem nada tem a temer. Inevitável que ficasse despida de seu orgulho, à mercê da vontade imperiosa e inquestionável de seu amante de longa data.
Sabia que progressivamente ele se tornaria gélido e distante, fazendo com que ela tremesse na base, arqueando-se à sua passagem, com todos seus vãos e meandros se envolvendo naquela rede de insanidade que tirava dela quase tudo, menos a convicção de que a agonia passaria e, enfim, ela ressurgiria com ele n’alguma manhã colorida, cheios de ternura e frescas promessas.
Olhava ao redor e não se encontrava sozinha, parecendo-lhe que as demais aceitavam aquela condição impossível de submissão, calando-se ante os caprichos dele e de suas determinações, feito harém de odaliscas entristecidas.
Por quantas estações resistiria àquilo sem que o inexorável tempo viesse cobrar deles tantas metamorfoses?
Sua vasta cabeleira, ainda exuberante, perdia seu esplendor a cada dia, despindo-se de seda e perfume. O forte e vigoroso corpo detinha-se ressequido por intempestivas brutalidades, imoto ao solo, as pacíficas raízes de sonhos mal nutridos em espera.
Ah, era bem verdade que detestava aquela orgia que o transformava a cada estação!
Volúvel e poderoso, ciente da virilidade que exalava vida e sedução, tornava-a modesta e insignificante em meio a tantas outras... Ela sofria, mas com interna beligerância e altivez, pois que havia lhe dado alegrias durante toda a vida, enfeitando o caminho por onde ele passou com acenos melancólicos na partida, exultando toda ornada de flores e aromas de jardins silentes a cada retorno...
No entanto, não progrediu como ele, que sempre alçou outros voos e viu novas paisagens, vivendo aventuras. Ela ficou ali, imóvel como a lua que irradiava fria luz sem jamais consentir intimidade. Era assim também com eles: ela o recebia e o deixava passar... Ele a possuía e se deixava partir.
Entre lembranças e saudade fazia planos, tentando convencer a si mesma de que na próxima estação tudo seria diverso em sua longa vida de servidão. Resignada, reluzia lunática para depois se apagar, vestindo-se e despindo-se, renovando e findando.
Ele continuava senhor das cores da primavera, do mormaço do verão, da fria aragem de outono e dos cristais pendentes do inverno, tudo seguindo como o previsto.
E outra vez ele passeou por entre os braços dela, alisando seu contorno, soprando e cantando canções. Ela o aceitou com dissimulada passividade e audaciosa inveja, querendo-lhe a liberdade; mantendo-se imóvel, rendida ao chão, despediu-se sem apelos, acatando seu destino e o porvir, enquanto longe ele já estava, levando mechas de seus cabelos...
A natureza deixa que o vento recolha as folhas que vestem os galhos. Mostra que a árvore sempre aceita tal sacrifício e deixa a dor vibrar seus acordes, mentir que é passageira, cingir o tempo com a esperança de um longo beijo sem novo adeus!
Josyanne Rita de Arruda Franco
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