Xangô, grande guerreiro se tornava bondoso e não conseguia impedir um sorriso largo que se derramava em cada criança, parava os trovões, descansava seu machado, tornava-se no coração irmão daquelas crianças que corriam, brincavam. O olhar de Xangô era o sol escaldante, mas a pele negra já era íntima do calor extremo, e mesmo assim, era a luz protetora daquelas crianças que se multiplicavam como pássaros para tornar a nação cada vez mais forte.
A pele
era o orgulho, resistia ao sol e se banhava na água morna dos rios embaixo da
proteção do seu olhar. Somente elas conseguiam dominar a valentia e a violência
de que Xangô era detentor, o destemido governante que se enternecia com o riso
e as brincadeiras dos filhos de sua nação.
O povo
yorubá era protegido e abençoado, Xangô era o único que tinha todos os poderes
para protegê-los e às crianças que cresceriam fortes e guerreiras como ele. Só
ele tinha transito livre pelos dois mundos que faziam a terra e que
separavam-se entre mortos e vivos.
Numa tarde
quente Xangô foi traído. A nação foi pega desprevenida, seus guerreiros foram
emboscados, mortos, capturados, mutilados. As mulheres amarradas às crianças,
violentadas, agredidas. Capturados como animais. Tratados como animais. Presos,
colocados aos montes em porões de navios. Crianças chorando, mulheres gemendo.
Os mutilados foram deixados para trás, muitos se jogaram ao mar preferindo
morrer a viver em cativeiro.
Não
havia mais a luz do olhar de Xangô para iluminar suas existências reduzidas a
simples destroços humanos amontoados, misturados a fezes e excrementos, a
cadáveres que jamais seriam enterrados.
Xangô
encontrou a Nação queimada, filhos e irmãos mortos, e gritou. Gritou muito com
a força do trovão que ecoou pela terra e pelo mar. Chorou com as lágrimas
furiosas da tempestade. Toda a sua valentia converteu-se em ódio vingativo.
Xangô nunca suportou a traição e foi buscar a justiça para quem traiçoeiramente
desafiara sua força.
A
tempestade fustigava o navio negreiro com uma fúria sem igual. O capitão e os
marinheiros jamais haviam visto situação tão violenta, um mar tão revolto que
balançava o barco como um brinquedo na lagoa. O medo se apossara de todos.
Xangô
se aproximou e com seu machado rompeu o navio ao meio, enquanto todos imploravam
pela proteção divina. O terror se estampava em cada tripulante com a certeza da
morte certa. A carga do porão, apinhada, amontoada, ferida de morte em sua alma
sorriu com a presença de Xangô, que de um só golpe libertou todos os seus
filhos e irmãos, enquanto Yemanjá recolhia a todos embaixo de seu manto de luz
e bondade.
Estavam
todos novamente livres para correr pelas matas do outro mundo...
ROBERTO
ANTONIO ANICHE
Primeira
Menção HonrosaPrêmio Flerts Nebó 2012-2013
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