20/06/2014

BASTIDORES



Como nos sonhos, podia andar naquele vasto corredor largo. Cada porta guardava uma história; ela sabia. Ao abri-las os personagens se iluminariam e subindo no palco iriam representar suas vidas. Perguntava-se: cada porta poderia ser  acionada inúmeras vezes?

Iniciar essa visita seria um trajeto instigante; levada pela curiosidade, sentia-se estimulada ao abrir uma a uma, cada porta, e se entregar de corpo e alma a cada visita. Não era muito claro o procedimento dos personagens se instalarem lá dentro. Realmente havia uma grande porta central, no fundo, com certeza era por lá onde tudo começava.

Outra inquietação; como esses personagens eram aceitos? Qual seriam as condições; talvez sofrimentos, alegrias, ou até mesmo algum particular problema que teria influenciado suas vidas e até mudado o curso natural delas.

Apesar de certo receio poder impedir sua investigação, esse era logo dissipado. Além do forte interesse, alguma coisa a movia; ao mesmo tempo ela participava de uma modo diferente  de quem  só assistisse a um espetáculo. A sensação de sonhar se criava e se evanescia. 

Por detrás de tudo isso  havia uma tradição que alimentava  seu desassossego a ponto de vencer os medos. O que havia de tão interessante? Uma atividade humana tão antiga e recente, simultaneamente, quase um paradoxo.

            Perdia-se em reflexões de  como alguém poderia escolher tal  ocupação. Providenciar para aqueles personagens adentrarem as portas mediante um conhecimento prévio de suas histórias e depois se dedicar a cada um especificamente.

Quantas promessas de quem  vem se ocupando de tal tarefa! Seriam essas suficientes para a incitar  prosseguir e enfrentar todos os seus receios?

Comprometer-se com essa atividade seria uma experiência única, humana, gratificante e consagrada. Assim plantou a semente da coragem  prosseguir  jornadas novas quando  abrisse cada  porta.

Dividiria seu tempo compartilhando cada vida que os personagens reviveriam. Poderiam até renascer no encontro humano e verdadeiro que se daria ao iluminar o palco acionado pelo toque de cada maçaneta. Estavam batizadas a da mitologia, a dos contos de fadas, a das alegorias. Do tempo, dos bebês; da inconstância, eram consagradas; mas a porta denominada outrora, por ser considerada um tabu, era muito interessante.

 Algumas passariam despercebidas, se não fossem a insistência de seus habitantes que faziam questão de marcar sua presença, nem que fosse por causa de um pequeno grito ou barulhinho mínimo. Outras, anônimas, ainda esperavam seus personagens adentrarem.

            O que era inusitado? As histórias só seriam entrelaçadas se ela soubesse tecer um fio que desse um sentido particular a todas. Isso dependeria de suas capacidades pessoais e também de seu interesse em cada personagem. Haveria um amadurecimento e preparos a serem providenciados. Como se daria tudo isso?

Conhecer alguns segredos desse caminho seria interessante. Nossa! Isso seria imprescindível! Teria algo a mais que só seria adquirido na própria prática. Tudo isso era muito intrigante. Será que conseguiria enfrentar todos os medos?

Nas profundezas de cada personagem, haveria uma aprendizagem. Essas histórias já teriam sido vividas e permaneciam fechadas ou até trancadas; só voltando à ação, como se dizia , quando os enredos fossem retomados. Cada imagem voltaria novamente toda vez que se reabrisse a porta? Seria uma questão de memória? Ou estaríamos simplesmente diante da vida?

            No âmbito da memória estaria ela e os seus personagens somente relembrando; ou o diferencial dessa atividade é vê-los brilhar no palco  onde a vida se reconstrói em seu mais alto quesito do desenvolvimento humano.

 
SUZANA GRUNSPUN

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