Por: Delfim Silva Pires
Numa certa manhã, surgiu no horizonte;
aliás, primeiro ouviu-se um ronco de motor. À medida que o ronco do motor se
aproximava, via-se uma asa à distância; à medida que se aproximava,
distinguiam-se cores exuberantes. Essa aeronave aproximou-se da praia, fez um
rasante, estudou o terreno, fez dois ou três círculos completos. Iniciou uma
aproximação do extremo da praia e fez um pouso suave. Ali nunca ia alguém, a
não ser algum barquinho. Veio em minha direção e ultrapassou cerca de trinta
metros, não sem antes fazer uma ventania que me levantou a saia (refrescando-me
inteira). Demorou um tempo até que desceu meu príncipe encantado, meu
explorador dos céus e agora dono daquela praia; e, a partir daquele instante,
da minha vida! Veio tirando as luvas, desabotoando o blusão de couro, passando
a mão pelos cabelos que começavam a ficar grisalhos. Quando começou a falar,
minhas pernas ficaram bambas. Que voz linda!
— Sabe me dizer onde estou?
— Você está na sua praia.
— E qual é o nome desta praia?
— Como chama a sua aeronave?
— Aquilo é um trike.
— Pois então, a partir de hoje, esta é a
praia do trike, que era só minha e agora também é sua!
— Tem mais alguém nesta praia?
— Claro, tem a minha família, meus pais e
minhas irmãs. E você, que a partir de agora também é dono disso aqui.
— Por que você me trata assim,
oferecendo-me seus pertences?
— Porque estava há muitos anos a tua
espera.
— Como assim? O que sabe a meu respeito?
Como sabia que eu vinha? Desde quando você sabia que eu vinha?
— Calma, tem o resto da tua vida para saber
todas as respostas; algumas posso te dizer agora, e, aos poucos, acaba sabendo
tudo! Minha mãe, desde criança, disse-me que meu marido vinha do céu, que um
dia meu príncipe encantado surgiria voando. Como esta praia é inacessível, nem sei
se ela dizia isso a sério ou se era brincadeira! O fato é que eu, desde
criança, ia pela praia às manhãs e às tardes esperar meu príncipe encantado! E
tinha certeza que um dia isso aconteceria! Para mim aconteceu: amei-te assim
que o vi arrancar aquelas luvas e sussurrar: Onde estou?
— Você chegou levantando a minha saia. Por
tudo isso é meu príncipe encantado! Agora preciso saber de você: se acha que
pode me amar, venha que vou lhe mostrar minha mãe e toda minha família. Mas
cabe a você consultar teu coração e decidir: se quer ficar ou se vai embora
levando consigo a lembrança que tem agora, uma praia do trike.
— Na verdade, venho de uma terra onde não
temos mar e as terras são planas, podemos voar a poucos palmos do chão durante
quilômetros, onde os campos parecem desenhados pelas mãos do homem. Os campos
ganham simetria com as plantações. Não sabia o porquê, mas havia alguma coisa
que me fazia querer voar sobre o mar. É muito bom voar sobre o mar, não temos
turbulência e as águas adquirem cores que vão do azul ao verde, e são de uma
transparência que não se percebe aqui do chão. Agora sei por que aprendi a
voar; soube disso no momento que vi esta praia. Valeu a pena voar para conhecer
este cantinho do céu, pensei. Ao fazer o rasante vi você e me apaixonei pelo
jeito que correu!
— De agora em diante, vamos construir nossa
história juntos! Entramos em casa e eu gritando pela minha mãe.
— Mãe, ele veio de trike, o príncipe
chegou!
E era tanta gritaria que vieram todos. A
mãe perguntou:
— Já beijou o moço, minha filha?
Ao que o pai disse:
— Igualzinha à mãe. Todos se olharam e
ninguém entendeu, a não ser o pai e a mãe que desandaram a rir. Ao que ele
explicou: quando aqui cheguei, vim numa canoa e sua mãe também me esperava na
praia, assim como vocês. E entramos na maior alegria pela casa afora.
A mãe dela nos interrompeu e disse:
— Minha filha, beija o moço para ver se vai
dar certo! Então, minha filha, vá lá pra fora, beija o moço e volta com ele!
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