26/01/2012

UMA IDEIA DE FELICIDADE

... Então ele pensava que não podia, até ver aquela bela cabrocha rebolar os quadris voluptuosos. Um samba antigo começou a se instalar na cabeça dele enquanto ela atritava as coxas grossas dançando: “Deixa eu te amar/ Faz de conta que sou o primeiro / Na beleza desse teu olhar/ Eu quero estar o tempo inteiro...” Não conseguiu mais parar de fitar os olhos amendoados da morena e os “ cabelos molhados pelo orvalho que a natureza rega” adornando o rosto faceiro, a imaginar com ela as delícias que a canção convidava e prometia. Passara muito tempo organizando, direcionando e estruturando a vida dos outros (sempre a dos outros), adquirindo êxitos e colecionando seus românticos escritos no velho caderno de anotações. De repente, sentiu a vida pulsando debaixo da gasta carapaça de sisudo e endurecido homem, habituado a disfarçar doce e carente alma. Ela percebeu imediatamente o olhar suplicante que a devorava, baixando o seu de forma ingênua e ensaiada, mais ainda se insinuando, convidativa. Ela desejou que ele viesse na fonte do ser dela, igualzinho ao que a música dizia e, quem sabe, poderia enfim ter “a certeza de amor no coração”... Havia sofrido tantas decepções, alucinado com paixões desenfreadas e amarguras inevitáveis “na relva, na rede e onde você quiser” que, se fosse possível, insistiria acreditando. Até chegou a sentir-se amada, depois objeto ou coisa alguma, mas com aquele homem distinto e tão bem apessoado poderia existir algo mais sério e duradouro, quem sabe? Se pura não era, pelo menos ele fingia que queria se banhar na pureza dela. Fantasia de homem, ela pensava. Ele, já em desespero, ondulando seus sentidos com os volteios daquelas ancas, vislumbrava uma ideia de felicidade. “Deixa eu te amar...” implorava mudo, a boca seca pedindo doçura. A noite oferecia magnífico cenário, a lua cintilava cheia naquele quintal de promessas. Como fora alvissareiro o convite para a roda de samba que ele acertadamente aceitara! Apareceu de surpresa entre os colegas de trabalho que nunca o haviam percebido ou recebido em parte alguma. Perdera tempo, sem dúvida, quase a vida inteira sem conhecer “as cascatas cristalinas” do bem-querer. A beleza daquele olhar merecia seu tempo inteiro. Sentiu que era o momento de oferecer o que tinha de melhor, “pegar no colo” a estonteante mulher e sair com ela desenhando estrelas no firmamento, viajando no calor de um cometa até encontrar galáxia ainda não descoberta. A saudade que um dia o inspirou a escrever tímidos versos rapidamente se transmutou em descoberta sublime de algo não vivido e avassalador: a paixão que arrebata um homem aos roliços braços de uma mulher. Abraço quente, aconchego úmido e profundo, hálito perfumado sussurrando segredos e ousadas propostas... “Deixa eu te amar/ Faz de conta que sou o primeiro...” Naquela noite, embrenhou-se na mata, saciando o desejo que o alucinava. A lua perdeu em graça, argúcia e frescor para os cândidos olhos da acolhedora mulata. A partir dali, decidiu “guardar em potes gotas de felicidade”.

Conto inspirado nos versos da música “DEIXA EU TE AMAR”, de Agepê.
Vencedor da Super Pizza Literária de Tema "Uma Ideia de Felicidade"
dezembro 2011.
Josyanne Rita de Arruda Franco

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