As águas de março fechando o verão nunca
foram tão esperadas como nesse ano de 2015. As escassas chuvas dos últimos
meses reduziram drasticamente os reservatórios e assolavam os lares do sudeste
brasileiro, prejudicando as atividades do cotidiano.
Banhos
curtos, acúmulo de roupa para a lavagem, pilhas de pratos sujos na pia. Visitar
alguém sem avisar? Mais do que nunca se tornava inadequado.
Grupos
rezavam para chover. Outros, como os antigos indígenas, cantavam e dançavam
para que os deuses da chuva realizassem o seu pedido.
Carros-pipa
forneciam água potável nos bairros mais distantes. Nem sempre suficientes para
suprirem a demanda.
Com a escassez
de água, a energia elétrica também começou a enfraquecer, intensificando o
desconforto do dia a dia e gerando prejuízo na conservação de alimentos.
Frangos mortos sem refrigeração, gado sem pasto, pescadores sem peixe. Algumas
plantações sucumbiram. E as represas onde havia água em abundância
transformaram-se em árida desolação.
Por vezes até podemos
viver na chatice de não ter luz, nem Internet ou televisão... Mas como
sobreviver sem água?
O jeito foi nos
unirmos na economia, embora algumas pessoas insistissem em lavar a calçada com
mangueira. E sequer se encabulavam quando pegos em fragrante pelas reportagens
televisivas.A maioria da
população, porém, aceitou o desafio de fazer a sua parte. E o governo? Aumento
na conta de água para inibir o consumo, projetos de saneamento, promessas de
melhorias na manutenção, reparos mais rápidos nos vazamentos. Campanhas para
economizar água reforçaram a necessidade de se respeitar a natureza.
No fundo, todos
torciam para que as águas de março chegassem depressa. Talvez por esse motivo
ou pelo premiado espetáculo “Elis, a Musical”, a canção de Tom Jobim tocava
cada vez mais nas rádios.
Naquela tarde
quente, após dez dias de secura, os primeiros pingos refrescavam a esperança. A
animação era geral. Nuvens escuras prenunciavam que a chuva seria intensa. De
certo alguns transtornos já eram esperados, como semáforos apagados e a piora
no congestionamento no trânsito. Mas o que ocorreu foi simplesmente um caos: enchentes
em pontos nunca antes alagados, queda de inúmeras árvores, desmoronamento de
terra.
A potência da
água invadia terraços, salas, quartos e cozinhas em uma velocidade estonteante.
O pouco que pessoas humildes conseguiram adquirir... Tudo perdido em poucos
segundos.
Lembro-me de
assistir no noticiário o depoimento de famílias inconsoladas. Não havia forças
nem condições para limpar e resgatar seus pertences. As torneiras continuavam
vazias enquanto moveis, alimentos e utensílios boiavam na imensa piscina
domiciliar que se formou.
Naquele momento,
não mais prevalecia o ritmo contagiante de Tom Jobim, mas a melancolia de uma
música de Djavan.
Dava para perceber
que o coração dessas pessoas preenchia-se de tristeza, esvaziando a esperança.
Indignação,
instabilidade, descrença...
Quanto a mim, só
restava me compadecer do sofrimento de quem, tal qual nos versos djavanianos,
começava a descobrir a angústia e a impotente sensação de “morrer de sede em
frente ao mar”.
Márcia Etelli Coelho
Primeiro Lugar no concurso de crônicas da
VIII Jornada Nacional de Médicos Escritores - Sobrames
Tubarão-SC - 15 a 18.10.2015
BELA CRÔNICA. TEMA ATUAL.
ResponderExcluirPARABÉNS.
LUIZ JORGE.