19/03/2011

UM CONVITE INESPERADO

       Foi num dia de trabalho em que eu me encontrava no conforto médico do centro cirúrgico do Hospital São Camilo, aguardando o início de uma cirurgia quando tive a grata satisfação de encontrar o Helio Begliomini. Ao vê-lo, o primeiro pensamento que me veio à mente foi de perguntar sobre a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Sobrames. Eu sabia da sua existência, mas até aquele momento a Sobrames era como uma daquelas sociedades que você sabe que existe, acha interessante, mas sempre “falta tempo” para ir; é mais uma daquelas coisas que você acha que só vai fazer quando se aposentar. Mas o Helio me perguntou: Por que você não vai a nossa reunião que ocorrerá nesta próxima quinta-feira? Se ele me falasse que seria daqui a uns quinze dias ou um mês, talvez, eu esqueceria novamente. Mas aquela pergunta me soou como um convite que eu não esperava num dia assim tão comum. Pensei. Vou agora ou nunca mais. Que bom que eu fui. Pois desde aquela quinta-feira, a minha vida ou pelo menos meus pensamentos nunca mais foram os mesmos.
       Ao chegar à Pizzaria Bonde Paulista, na Rua Oscar Freire, senti um clima cheio de significados: Oscar Freire, Bonde Paulista, Pinheiros, Pizza e Literatura, que coisa mágica, pois me remetia à lembrança de uma São Paulo glamourosa, requintada, cheia de charme. Para mim havia jeito de festa no ar. Ao adentrar o salão superior da pizzaria, senti que realmente estava na mais paulista das sociedades: baianos, paraenses, cariocas, mineiros, interioranos, italianos, portugueses, sim, porque São Paulo é de todos que a adotam. São Paulo não seria Paulista se fosse somente daqueles que aqui nasceram, São Paulo é a terra de todos.
       A Sobrames mudou a minha vida porque tive a oportunidade de conhecer pessoas de um mundo que eu jamais soubera existir tão próximo de mim. Aquele convite veio num momento muito bom da minha vida porque eu estava desmotivado em relação à medicina e aos meus ideais. A Sobrames foi a renovação dos meus votos como médico. As pessoas que compõem a Sobrames, não só os médicos, mas aquelas de outras profissões, também despertaram em mim o sentimento de nobreza e gratuidade de fazer as coisas pelo simples prazer de fazer e de compartilhar.
       Ao entrar aqui no primeiro dia, conheci a poesia de guardanapo e, mais ainda, tive a alegria de conhecer aquele que escreve tão sabiamente nesse guardanapo. Uma pessoa tão intensa, franca, verdadeira, mas de uma bondade ímpar até quando xinga. Toca-me profundamente ao ver colegas contando fatos cotidianos em forma de prosa ou poesia. Quem pode ficar indiferente às histórias do bairro do Bexiga, do sapateiro, da dona de casa, do cego, do homem que envelhece e sabe rir de si mesmo, do homem que sai do palco para a plateia da vida e se compraz em ser um mero espectador? Como ficar indiferente às poesias que vêm lá de Tupã, para entrar em nossos corações, repletas de emoção e sabedoria? Como não se comover com o nosso poeta surrealista na forma, mas real demais no conteúdo, declamando com a rapidez e a força de suas emoções?
       E o nosso poeta orgulhoso de sua baianidade que nos brinda com o sincretismo de suas palavras? Como não comentar os questionamentos e contestações do nosso poeta que canta o milho, que enaltece a chuva, que não só faz poesia e prosa, mas também proesia? Como não se sentir por vezes melancólico e saudosista, lembrando um Rio de Janeiro com sua música e sua gente alegre e simpática de uma época em que a Bossa era nova e, como diz o nosso poeta, a vida era mais devagar no tempo dos 78 rpm?
       A quantidade de escritores não para aqui, a nossa sociedade é grande demais no seu conteúdo para ser sintetizada, leva-se, adoravelmente, muito tempo para se conhecer a grandiosidade daqueles que aqui escrevem e proclamam suas ideias. A cada reunião, um conto novo, um fato novo. Como esquecer aqueles que partiram deste mundo, mas que ficam conosco na memória de seus escritos, na lembrança em nossos corações?
       Foi muito bom chegar aqui e entender que a Sobrames era dos médicos escritores, mas não só dos médicos, mas também dos jornalistas, dentistas, advogados, comerciantes, donas de casa e de todos que amam as letras. Foi bom chegar aqui e ver que a Sobrames não é uma obra acabada e sim uma obra iniciada, por aqueles que um dia sonharam em congregar, confraternizar a medicina em torno do amor às letras.
       Aquele convite naquele dia inesperado de fato mudou a minha vida. Só posso dizer a todos aqui presentes o meu muito obrigado.

José Alberto Vieira

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