06/02/2012

REFLEXÕES SOBRE UM NATAL HIPOCRITAMENTE CRISTÃO

Sempre penso que o Natal deve ter algum significado muito maior do que somente gastar em presentes, ceias e almoços, bebidas, sobremesas, muitos abraços, beijos e apertos de mão, senão sinceros, pelo menos imbuídos da letargia de não se reagir nesta data trocando impropérios por falsidades familiares.
Acredito piamente que se no Natal comemoramos o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, então o Natal é o aniversário mais festejado de toda a história da humanidade. Claro que como irmãos menores só nos lembramos desta data por causa do bombardeio televisivo e midiático que nos obriga a lembrar que é Natal, não necessáriamente o grande aniversário.

Vamos comemorar! Uma ceia farta para festejar nosso aniversariante e convidados, com mesa cheia de animais decapitados e esquartejados, assados à moda da casa, besuntados a maionese na última fornada. Não há em nenhuma Bíblia qualquer referencia a um Cristo carnívoro, muito menos de nossa bondosa Santa Mãe Maria decapitando frangos, perus ou porquinhos, assando-os com farofa ou batatas. Mas está aí nosso primeiro presente, recheando os cofres de todos os criadouros e abatedouros de animais.
Imagino se nosso querido São José não fosse de fato um santo e se o nascimento não tivesse a importância gigantesca que teve. Nosso presépio não teria boizinho, vaquinha, porquinho, carneirinho branco, galinhas. É que logo depois do amanhecer iria começar o maior churrasco da terra e que, felizmente, jamais aconteceu. Ao invés disso, com certeza, nosso São José e nossa querida Mãe Maria agradeceram, do fundo do coração, àqueles bichinhos criados por Deus pelo calor e carinho com que zelaram durante toda a noite, pelo Senhor Jesus recém-nascido.
A festa não termina aí. Temos vinho, champagne, caipirinha, cerveja, sem que, apesar do citado milagre da transformação da água em vinho, também não há referências de que nosso primeiro Irmão fosse um enólogo ou bebedor. Realmente não há qualquer referência a um Cristo que bebesse sequer uma colher de xarope, quanto mais vinhos ou outra bebida alcoólica qualquer.

Meia noite. Gostaria de assistir a esta passagem a bordo de um satélite, enxergando as milhões de toneladas de fogos de artifício que pipocam em cada meridiano que atinge a meia noite. Incrível: poluímos a atmosfera e ainda achamos graça, apontamos com nossos dedos lambuzados da gordura do porco assado as bombas estourando, tornando nossos cães e gatos completamente histéricos com o barulho, perdendo urina em nossos tapetes, rosnando debaixo da cama, ou fugindo para a rua para serem atropelados e mortos por aquele motorista que bebeu e está treinanando para acertar o próximo a morrer esmagado embaixo de suas rodas.

Meia noite e quinze. Hora de abrir os presentes. Imagino quantas árvores foram derrubadas para se manufaturar aquele maravilhoso papel de presente com gravuras multicoloridas a pigmentos de chumbo. Lógico, se não rasgar o papel vai ter azar para o resto do ano. Então rasguemos o papel de presente, amassemos, joguemos em nosso lixo jamais reciclado para contaminar o solo, a água, o ar.

Chegamos ao presente no final do embrulho, claro que na maioria das vezes com componentes de plástico, daqueles duráveis mesmo, 300 anos enterrado envenenando também o solo, já devidamente preparado pelo papel de presente.
Hora de ir embora. De novos aqueles apertos de mãos, abraços, beijos, Judas Iscariotes presente em todos os corações e em todas as ceias jamais faltaria nas nossas. Entupido e entojado com o vinho e as melhores partes dos cadáveres que degluti entro no carro e dou a partida.

Uma hora e trinta minutos do dia 25 de dezembro. Contemplo em cada rua árvores vestidas com lâmpadas de neon, aquecendo seus troncos, alterando sua fisiologia vegetal. Cruzo a avenida Paulista, congestionada com todos os motoristas parando para ver os enfeites mais lindos, movimentados e iluminados do Natal, consumindo milhões em energia elétrica gerada por usinas termoelétricas, atômicas, ou aquelas que inundaram Itaipu, Sobradinho, comemorando o aniversário de quem mesmo?

Lembrei que preciso regular o motor do carro enquanto me vingo de todos os motoristas e pedestres jogando no ar aquela fumaça negra em alta temperatura. Não poderia perder a oportunidade de poluir mais ainda o ar que respiramos com o doce gosto da primeira vingança depois do aniversário. Com isso provo porque quem nunca fumou na vida também morre asfixiado com um câncer de pulmões...

Imagino matematicamente quantos bilhões de lâmpadas de neon estão acesas nesse momento no lado noturno do globo e qual seria o calor em watts gerado para acelerar o aquecimento global. Boa combinação: enfeites de natal e o escapamento dos carros parados.

Saio da avenida Paulista e acelero na avenida Domingos de Morais, entra o ar fresco rodeado daquela chuva cinza que caia até agora pouco. Acho que nosso Senhor Jesus Cristo não deve ter gostado muito de sua festa de aniversário, ainda mais Ele que sempre foi um pacifista.

Um par de faróis altos vem na contra-mão. É ele: o cara que matou o cachorro fazendo pontaria na minha família! Zás! Tenho tempo de subir na calçada e amassar toda a lateral do carro num poste, mas todos estão bem, sem nenhum arranhão. Quase que tive a oportunidade de perguntar pessoalmente ao Nosso Senhor se havia gostado da festa.

Não sei não, mas tive a impressão de que Ele dirige muito bem mesmo, já que é vegetariano, não bebe, e gosta muito de seus irmãos mais novos. Respiro fundo, com o carro amassado, a mulher chorando, os filhos assustados, de volta para casa.

É mesmo, Ele dirige muito bem mesmo...


Roberto Antônio Aniche

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos sua atenção. Se possível deixe informações para fazermos contato.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...